Consultoria e assessoria educacional
Por Celito Meier em 01/11/2020
Verdadeiramente, os frutos
não caem longe do pé da árvore. Da mesma forma, a longevidade do amor é uma
decorrência possível da forma de cultivar o amor com a pessoa amada.
O casamento tem a cara do
casal. Embora haja condicionantes socioculturais, a nenhum elemento externo
deve ser imputada a responsabilidade pela trajetória de vida a dois. Essas
realidades ou eventos exteriores são apenas as condições ou o contexto no
interior do qual a responsabilidade do casal deve ser exercida.
Quando Aristóteles escreve
sua reflexão sobre o ato e a potência, fica expresso que a existência humana é
uma permanente atualização de suas potências, ou a materialização de uma
idealização. Existem em nós muitas possibilidades, que são as realidades em
devir, potenciais. Elas poderão ser transformadas em ato, após uma história de
cultivo.
Dessa forma, a vida a dois
carrega em si uma riqueza potencial que poderá adquirir expressões históricas maravilhosas.
Em outras palavras, a liberdade do casal constrói o seu destino, configura a
forma ou as formas de expressão do seu amor. Por isso, na argumentação de Jean
Paul Sartre, não há espaço para má-fé, não há espaço para desculpas ou
transferência de responsabilidades.
Nessa mesma dinâmica, compreende-se
toda a positividade da angústia humana, na qual o indivíduo se assume como
sujeito de seu destino pessoal e intersubjetivo. Quando o casal é movido por
essa consciência, costuma-se perceber os investimentos na relação, que
possibilitam, por uma questão de coerência, a colheita de frutos desejados,
semeados e cultivados.
Mais uma vez é salutar
recordar: É o horizonte que nos atrai, desinstala e nos faz caminhar. Contudo,
é preciso que o casal estabeleça o seu horizonte, com seus projetos, pois
nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para aonde vai.
Assim, portadores de uma
consciência lúcida e reflexiva, os casais poderão vivenciar o que o filósofo
Sócrates vivenciava com o seu daimon, sua
voz interior, que somente se manifestava quando estava prestes a cometer alguma
ação errada ou a praticar alguma injustiça.
Com isso, fica evidenciado
que, na vida das pessoas que são amantes da sabedoria, a consciência as acusa
antes de fazerem as coisas, e não posteriormente. Em decorrência, evita-se o
arrependimento e colhe-se a grata recordação de um amor bem vivido em todas as
estações.
A partir da afirmativa de
Epicuro, que diz ser “vão pedir aos deuses
aquilo que alguém não é capaz de alcançar por si mesmo”, podemos
perceber que a ausência de uma consciência do poder da espiritualidade humana
estagna o processo evolutivo do indivíduo e do casal.
Esse reconhecimento da
dimensão espiritual ou psíquica que nos possibilita transcender e administrar
nosso corpo é a condição de possibilidade de construir uma relação afetiva
duradoura e resistente às adversidades e aos prazeres fáceis da vida. Afinal,
nem todos os prazeres merecem ser seguidos, se pensarmos nas consequências que
deles poderemos colher. E certos sacrifícios ou renúncias são preferíveis a
certos prazeres, pelo mesmo motivo.
Portanto, o amor traz a
marca da medida do cultivo. Considerando que colhemos em conformidade com a
semeadura, construir uma vida na lógica dos prazeres fugazes, sob o império das
aparências e das artificialidades é afastar-se gradativamente de uma autêntica
vida a dois, é colocar-se na contramão da vida conjugal, é sufocar as
possibilidades de vida feliz inscritas no ser.
Nessa reflexão sobre a
fugacidade da vida, desperta a possibilidade da construção do sentido da
própria existência. O desafio e a arte da vida feliz passam pela construção da
razão de ser da própria vida, em meio ao tempo que foge, em meio às coisas que
passam, ao lado da pessoa amada que vive permanentes transformações.
Nessa lógica, renunciar a
algo prazeroso parece ser destituído de sentido. Na contramão desse fluxo
superficial do reino da banalidade e do espontaneísmo, torna-se imperativa a
exigência da criativa fidelidade, como expressão de um amor autêntico, que
aprendeu a cuidar.
A dificuldade em conseguir
vivenciar essa autêntica fidelidade está relacionada com a força da impulsividade
egocêntrica e passional do ser humano. Essa capacidade de lutar contra as
paixões cegas e desordenadas que constituem a nossa primeira natureza não
costuma ser muito cultivada em nossa cultura.
Afinal, vivemos em uma
sociedade na qual o sacrifício e a renúncia parecem não fazer parte do quadro
das virtudes defensáveis, uma vez que o ideal defendido é a liberdade,
entendida muito mais como estar desprovido de laços, reduzida uma concepção
negativa.
Mas, entendida com
ausência de vínculos, o que pode uma liberdade construir? O limite pertence à
essência da liberdade, assim como as margens para o rio. Sem as margens, o rio
deixaria de ser rio e não alcançaria o mar. Igualmente, a ausência de foco
implica na falta da autodeterminação. E somente na autodeterminação encontramos
a presença de limites consciente e voluntariamente estabelecidos.