Consultoria e assessoria educacional
Nada mais estranho para espíritos evoluídos e educados no espírito da cidadania que o moderno divórcio entre ética e economia e entre ética e política. O império do paradigma econômico que reina distante da ótica da justiça social produz um modelo de desenvolvimento e de sociedade absolutamente insustentáveis.
Essa insustentabilidade deve ser tematizada em sala de aula, que deve ser o espaço da desnaturalização e do desmascaramento de ideologias que legitimam e perpetuam a histórica desigualdade social brasileira. Ora, refletir sobre ética pública é considerar a forma como as autoridades públicas repartem os recursos e os custos, os direitos e os deveres, as vantagens ou desvantagens entre os membros do corpo social. Com efeito, trata-se de submeter a política à avaliação ética, orientada pelo critério da responsabilidade para a efetivação da justiça social, do bem-estar social, dos direitos humanos, civis e sociais.
Em decorrência, quando falamos em ética pública estamos nos referindo a decisões cujos efeitos atingem a todo o tecido social, diretamente a camadas sociais historicamente mais vulneráveis e indiretamente a todo brasileiro. Dessa forma, ao relacionar educação e ética pública pretendemos deixar explícita a manifestação de que se faz absolutamente necessário que os nossos alunos acompanhem ou tenham acesso às decisões tomadas pelas autoridades públicas nas esferas Federal, Estadual e Municipal, através de um Projeto Politico e Pedagógico verdadeiramente comprometido com a formação da civilidade, educando na e para a democracia participativa.
Isso requer uma Comunidade Educativa na qual o corpo docente articule a construção do conhecimento com a formação da atitude problematizadora, critica e criativa. Ora, isso implica colocar-se na contramão de uma tendência histórica de nossa educação, marcada pela fragmentação, pela ênfase no acumulo de informações desconexas e socialmente desencarnadas.
É urgente caminharmos para uma educação comprometida com a formação do espírito defensor da coisa pública, que não fica alheio e nem aceita passivamente a privatização dos bens e recursos públicos.
O grande desafio é democratizar a democracia brasileira, mas nenhuma democracia se consolida se não se tornar um verdadeiro hábito, cultivado com o diálogo transparente que, no cotidiano da vida, aprende a construir consensos socialmente responsáveis. O próprio Maquiavel, tão mal lido e parcialmente compreendido, já dizia, na Primeira Década de Tito Lívio, que "como os bons costumes, para se manterem, exigem leis, assim também as leis, para serem obedecidas, exigem bons costumes".
O histórico divórcio entre ética e política seguramente tem grande dose de responsabilidade na ausência do olhar de fiscalização e de acompanhamento da sociedade civil sobre governança pública. Essa apatia política e essa indiferença social são frutos de uma espécie de “educação liberal”, hiper especializada e fragmentada, que não educa para a percepção e a análise do tecido social.
Resgatando a etimologia, educação é a arte de dar forma a potencialidade humana. E, seguramente, o diferencial humano está na potencialidade e na necessidade da vida política, que requer uma economia submetida aos princípios da ética pública, que deve ser implementada sob o olhar vigilante de todo cidadão, formado em comunidades educativas inseridas no meio social, comprometidas com a permanente denúncia dos vícios da vida política e com a ativa participação na construção de uma sociedade inclusiva, marcada pela ética da responsabilidade ambiental, social e humana.
Celito Meier.
Falar em educação, em contexto de continuada degradação ambiental, requer direcionar o olhar a partir de perspectivas interdisciplinares e transversais, para a formação de um olhar complexo, tendo como horizonte a intervenção em sociedade e em planeta afetados pelos riscos ambientais.
A sociedade de Risco constitui uma segunda modernidade, que emerge com os riscos ecológicos, ambientais, nucleares, químicos e genéticos. Ora, como pensar em abordar a complexidade dos problemas ambientais e inaugurar uma nova politica ambiental sem antes provocar uma radical transformação mental, de visão de mundo, de valores, de paradigma?
Com efeito, continuar a pensar o desenvolvimento sob a ótica da economia é alimentar o circulo vicioso no qual estamos mergulhados há miais de 500 anos. A demanda global exige sociedade mobilizada, na qual os cidadãos se articulem para assumir, com autonomia e responsabilidade, um papel problematizador do senso comum, crítico da inércia do poder público e propositivo de ações e de políticas que articulem desenvolvimento com sustentabilidade e inclusão social.
Dessa forma, a educação assume sua função social, ao educar cidadãos na democracia participativa, incentivando e acolhendo as formas plurais e alternativas de participação.
Aqui, seguramente, está um dos problemas mais significativos que a educação deverá assumir como tarefa intransferível; a saber, empenhar-se na contramão do individualismo cultural, instaurando práticas comunitárias de vivência cidadã, fundamentada em uma educação ecológica integradora das dimensões ambiental, social, humana e mental.
A educação deve desenvolver o espírito coletivo, o trabalho em equipe, a busca comunitária da erradicação dos problemas de natureza ambiental e social, que afetam a comunidade.
Torna-se imperativo criar condições em nossos espaços educativos para a construção de uma nova consciência, fundamentada em novo paradigma, de natureza ecológico-integral. Nessa nova racionalidade, as experiências do pensamento transversal sinalizam para a inequívoca exigência que deve ser feita à educação em contexto de incerteza e de risco. Trata-se de ensinar a pensar de forma articulada, para que as intervenções sugeridas caminhem na direção da restauração e da alimentação da complexidade do todo.
Assim, harmonizando os processos socioeconômicos com o princípio da sustentabilidade, integrando a sustentabilidade social, econômica e ecológica, favoreceremos a construção dessa inteligência do todo, da qual resulta a própria possibilidade de permanência da vida. Com urgência, e já com muito atraso, nossos filhos e filhas precisam refletir sobre essa urgência para podermos preparar um mundo sustentável e equilibrado para as gerações futuras.
Aos mestres que ensinam a pensar de forma complexa e a exercer a cidadania, em tempos de incerteza e de risco, com estima e gratidão.
Celito Meier
Inseridos na cultura pós-moderna, pós-cristã, pós-industrial, cultura do “pós”, apresenta-se o desafio do resgate da singularidade do ato de educar. Essa cultura contemporânea é a cultura do “click”. Com um simples click, informações chegam e informações vão, a reflexão ou o trabalho de alguém já está pronto, monografia ou a dissertação aparece pronta. Basta um comando e a solicitação será imediatamente entregue. Nessa cultura do imediato, pretende-se chegar sem a árdua mediação do caminho, cultura do imediatamente presente, do rapidamente recebido.
Nessa lógica, estamos mergulhados na cultura do fragmento, da superficialidade, que impossibilita a visão sistêmica, a formação de uma inteligência da complexidade. Permanecer nesse primeiro estágio costuma ser desejo e realidade de muitos. Superar essa superficialidade, que traz as marcas da banalidade, da fugacidade e da alienação é função primeira do educador, que se torna mestre na arte de educar, à medida que auxilia no processo da educação para a autonomia intelectual e ética, auxiliar na aprendizagem do mergulho nas raízes do saber significativo.
Filhos da cultura do fragmento, educadores e educandos são interpelados a construírem uma nova inteligência, inteligência da articulação, inteligência da complexidade, que percebe que todas as coisas estão articuladas e reconhece que é impossível um conhecimento significativo sem perceber ou construir relações, pois a vida é teia, rede de relações inclusivas. Contudo, apesar de ser a nossa forma natural de aprender, a capacidade de articular saberes foi anestesiada na história de nossa educação, especialmente moderna, que acentuou em demasia a metodologia do estudo por partes isoladas das outras partes, dando origem ao excessivo valor de cada disciplina, separadamente.
Infelizmente, diante de problemas cada vez mais globais, planetários, multidimensionais e transdisciplinares, encontramos a educação ainda marcada por saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas. Com efeito, a educação que não favorece a percepção global conduz ao enfraquecimento do senso de responsabilidade e de solidariedade, uma vez que a fixação no saber fragmentado mata a relação e, consequentemente, caminha na destruição do todo. Ora, há uma complexidade no todo que não se reduz e nem é captável na junção das partes. Por isso, a educação não pode estar focada em ensinar a decompor, mas a recompor, ou melhor, preservar e cultivar as relações.
Por isso, torna-se imperativo para a educação colocar-se a serviço da mudança de paradigma, capaz de ressituar, reorientar e ressignificar as ações humanas no planeta. Dessa forma, na construção de uma inteligência da complexidade e da articulação dos saberes, o ato de educar, encarnado em um projeto educativo e politico, assume o compromisso de redirecionar o conhecimento, construindo relações que promovam a vida, em escala planetária.
Dessa forma, no espaço educativo, precisamos atuar no sentido de construirmos uma atitude metacognitiva, capaz de refletir sobre o próprio processo de aprendizagem, aprendendo a aprender, buscando construir relações e articulações, fazendo do erro um grande aliado da aprendizagem, uma vez que sinaliza para focos, espaços e tempos de necessária intervenção. Assim, o ato de educar torna-se expressão de atitude educativa, construindo nova orientação na dinâmica educativa.
Entre os objetivos da educação, para essa nova forma de pensar, destaca-se o compromisso do educador com a arte de lapidação da alma humana. Nessa arte, cada disciplina, cada saber especializado, cada nova tecnologia disponível é meio, é instrumento, e como tal dever ser concebido. Nesse processo de formação da identidade de cada sujeito, em interação com os outros sujeitos e cidadãos, torna-se objetivo primordial do ato de educar a formação para progressiva autonomia, tanto intelectual quanto moral e ética, mediante cultivo de uma consciência em esclarecimento, crescendo na habilidade da apreciação crítica, dos juízos éticos, em busca de nova moral, no horizonte de um estado democrático de direito.
Para a construção dessa atitude de vida, na qual teoria e prática reciprocamente se alimentam, a metodologia deve estar centrada no aluno, como sujeito do processo da aprendizagem. Por isso, desde o primeiro contato, os alunos devem ser seduzidos para o processo da construção coletiva e pessoal do conhecimento, em um ambiente que realiza o que significa. Nessa dinâmica, o aluno deverá perceber o quanto ele é o responsável pela construção de sua identidade e pelo processo de destinação da vida.
Contudo, essa exigência não se realiza se a presença do professor em sala de aula estiver associada à imagem de quem “dá aula”, de quem fica exausto ao final de uma jornada por motivo de aulas expositivas. Com essa postura, o aluno permanece na passiva, na recepção periférica, e acabamos traindo a concepção de que o conhecimento é uma resultante do processo de construção intersubjetiva. Assim, na contramão dessa tendência, o ato ou a atitude educativa deve buscar não imprimir ou formatar, mas desentranhar potencialidades inscritas em cada parceiro de investigação, tornando-o sujeito do processo.
Em conformidade com a metodologia focada na aprendizagem significativa, o nosso fazer pedagógico se coloca a serviço da formação das habilidades cognitivas e reflexivas, em cada parceiro do diálogo investigativo, bem como a serviço da consciência política e da presença cidadã. Dessa forma, o educador assume compromisso com a educação para a sociabilidade humana, lutando contra a tendência do individualismo sempre presente.
Portanto, educar para a cidadania é educar para construção de competências que se atualizarão nas habilidades, tais como saber conviver, aprender a dialogar, saber trabalhar em equipe, construir soluções para conflitos e impasses, construir consensos. Em consequência, a forma como a aula acontece, sua estrutura e dinâmica devem sinalizar para o espaço democrático do direito, da ativa e decisiva participação de todos. É preciso, portanto, que a sala de aula seja reflexão e antecipação da cidade ideal, sem exclusões, sem preconceitos discriminatórios, de qualquer natureza: étnicos, ideológicos, religiosos, de orientação sexual, etc.
Recordando o método socrático-platônico de construir conhecimento, conhecido como maiêutica e dialética, o mestre torna-se parteiro que auxilia no parto das ideias, em direção à construção do conceito, através do diálogo. No resgate dessa metodologia, a função do educador se realiza, inicialmente, partindo do saber prévio dos alunos para, em seguida, iniciar a problematização desse senso comum, oportunizando ao sujeito o olhar e o reconhecimento de seus próprios pressupostos, auxiliando na construção e explicitação de seus princípios. Assim, conhecimento e vida cotidiana permanecerão sempre vinculados, devendo o educador organizar e dinamizar situações e vivências de aprendizagem significativa, envolvendo os alunos nas etapas do processo de ensino/aprendizagem.
Com efeito, a maiêutica e a dialética nos recordam que o educador deve administrar a progressão da aprendizagem dos alunos, favorecendo o encontro dos saberes já existentes e construídos, possibilitando que um aluno possa também ser mediador no processo de aprendizagem de outro aluno, em ambiente de dialogo investigativo. Isso implica gestar novo espaço educativo, fazendo da sala de aula oficina, na qual o saber é construído e reconstruído, apropriado e reapropriado, mediante progressivas desequilibrações, provocadas pelo próprio mestre, comprometido com a construção da inteligência da complexidade. Assim, o ambiente escolar deve encontrar sua força motriz na oficina do saber em construção.
Celito Meier
Como aprender a atribuir valor a determinada realidade se a sensibilidade não for despertada e cultivada?
Articular os temas da educação e da pedagogia com os temas da moral e da ética é situar-se na difícil, mas necessária, articulação entre ação prática e reflexão teórica. Essa difícil articulação se verifica, de imediato, na ambiguidade que percebemos __ nas esferas escolar e educativa __ entre o discurso sobre a importância da ética e as efetivas ações que atualizariam essa aparente convicção teórica. Na dinâmica escolar, o olhar sobre a ética muitas vezes não passa de uma atividade transversal, quando não é reservado apenas a um educador responsável por elaborar reflexões éticas para os alunos. Assim, a ética é apenas um fragmento desconexo de uma politica educativa mais ampla.
O contexto no interior do qual as escolas contemporâneas se inserem traz a marca de uma sociedade democrática e multicultural, na qual a mobilidade se verifica em praticamente todos os níveis: pessoal, social, tecnológico, ecológico, etc. Nesse contexto, diante das múltiplas e muitas vezes contrastantes visões existentes sobre a vida, o homem e a sociedade, começa a se perceber a falta de referências éticas para a educação escolar. Isso se torna cada vez mais significativo e desafiador, uma vez que a escola está na mediação entre o individual e o coletivo.
Será o ser humano um ser naturalmente social, como pensava Aristóteles? Ou será que devemos concordar com os teóricos do contratualismo, especialmente Hobbes, quando se referem ao homem como ser individualista? A resposta que dermos a essa questão, seguramente, trará implicações e decorrências na esfera da educação política.
A articulação dos temas da educação e da ética __ ou da moral e da pedagogia __ nos insere na esfera dos valores. E, de imediato, reconhecemos que “valor” não é termo unívoco, mas há pluralidade de sentidos para esse termo. Em termos gerais, valor costuma ser compreendido em duas diferentes direções, a subjetiva e a objetiva. Por um lado, concebe-se valor como a característica da coisa que é estimada ou desejada por um sujeito ou por um grupo específico. Por outro lado, o valor se refere à característica presente no objeto, na coisa ou na realidade que recebem e merecem maior ou menor estima por parte dos indivíduos.
Em conformidade com a tradição filosófica, especialmente impulsionada a partir da reflexão de Rousseau, o ser humano não é concebido um ser moral por natureza. Inicialmente, o que caracteriza o homem é sua dimensão impulsiva e egocêntrica. Somente através das mediações da educação e das leis, que constituem a cultura, o homem será inserido na esfera da moralidade.
A passagem do estado de natureza para o estado civil determina ao homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas a sua pessoa, vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações. Embora nesse estado se prive de muitas vantagens que frui da natureza, ganha outras de igual monta: suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas ideias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.
ROUSSEAU. Contrato social. Livro I. Cap. VIII.
É nessa passagem da natureza para a cultura, ou seja, do reino do determinismo para a dimensão da liberdade, que nascem os valores. Assim, na esfera natural não há valores, normas ou leis; apenas necessidades e vida impulsiva. Ao contrario disso, na dimensão cultural, estamos diante da subjetividade humana que aprende a reconhecer e a atribuir valor a determinadas realidades, considerando sua relevância para certas finalidades, sempre presentes nas ações humanas.
Dessa forma, o ato de valorar, de reconhecer ou atribuir valor tem direta relação com as experiências vividas, tanto pessoal quanto socialmente. Aqui, coloca-se todo o desafio para a educação comprometida com a formação do sujeito moral e ético, capaz de dar as razoes do seu agir e responder pelas consequências de seus atos.
Nessa dinâmica, a grande dificuldade para a educação comprometida com a construção de valores éticos e morais está em proporcionar aos alunos experiências e vivencias que despertem e alimentem a dimensão da sociabilidade humana. Educar para a dimensão comunitária requer a aprendizagem do diálogo, método primordial para gerenciar os necessários conflitos, sempre presentes em autênticos encontros. Considerando que o bem comum, que é a saúde do corpo social, engloba o bem particular, a saúde de seus membros, é preciso ensinar e aprender a construir consensos sobre os processos capazes de garantir o interesse coletivo.
Essa tarefa educativa é inalienável. Há muita ênfase em educação que pode e deve ser minimizada ou mesmo abandonada, especialmente as abordagens centradas no professor e nas habilidades da mera evocação ou memorização. Torna-se fundamental a aprendizagem da vida em comum, com todas as implicações decorrentes.
Entre essas exigências ou urgências que se colocam para a educação na construção de valores está a necessidade de, inicialmente, problematizar o contexto vital da era contemporânea. Vinculada a essa problematização nascerá a reflexão sobre os excessos praticados e as carências presentes no cotidiano da cultura. Em decorrência disso, nascerá a percepção dos grandes desafios e tarefas que deverão ser assumidos coletivamente. Destacamos algumas demandas urgentes para a construção de uma nova sensibilidade e de uma nova inteligência, requeridas pelos novos tempos: inicialmente, a aprendizagem do valor do limite que deve estar presente em toda ação, como condição para garantir qualidade de vida para as gerações de hoje e de amanhã. Em segundo lugar, esse aprender a pensar coletivamente, com responsabilidade para com as futuras gerações, deve assumir compromisso com a derrubada do paradigma antropocêntrico, que fez do homem o senhor que domina todas as outras formas de vida, gerando uma cultura que caminha na direção da morte do todo, da teia de relações. Nessa revisão paradigmática, é preciso repensar o paradigma econômico que deve deixar de ser visto como fim, que tudo subordina a si. É preciso aprender a reordenar a economia como instrumento a serviço de um reino de fins, caracterizado como sociedade inclusiva e sustentável.
Esse consenso sobre os objetivos éticos indispensáveis para a educação faz um retrato do ideal a perseguir. Este ideal torna-se a imagem, a figura humana, social e ambiental que queremos e devemos construir. Com base nisso é que deverão ser construídos os novos conteúdos da educação. Dessa forma, o olhar ecológico integral deve estar na base de todas as disciplinas. Contudo, como poderá assim ser e estar se esse olhar ecológico integral inexiste no projeto pedagógico da instituição e/ou na mente e na postura cotidiana do educador?
Celito Meier
A presente reflexão pretende abordar o espaço da sala de aula como oficina, na qual o saber se constrói na interação dos parceiros de investigação, mediados pelo olhar e pelas intervenções do Mestre.
Considerando a indeterminação e a abertura às múltiplas possibilidades que constituem a condição humana, o educador, que transcende infinitamente a condição de professor, concebe o ser humano como potencialidade que merece toda atenção, cuidado e cultivo, objetivando a afetiva e efetiva atualização dessa potencialidade. Nessa dinâmica, é preciso discernir as estratégias metodológicas, pois algumas delas, historicamente predominantes no fazer pedagógico, acabam sendo verdadeiros obstáculos à construção de conhecimento significativo.
Em decorrência, o pressuposto de que o conhecimento é resultante de processo de construção intersubjetiva está, muitas vezes, em flagrante contradição com as metodologias empregadas pelo professor, em sala de aula. Na proporção em que a aula está centrada no professor, alimentando a passiva recepção do aluno, acontece a simples habilidade da memorização ou da evocação. Por isso, à luz das concepções de educação, de sujeito e cidadão que se pretendem cultivar, a sala de aula se torna tempo e espaço privilegiado de mediação.
Inicialmente, o desafio que se apresenta ao professor é tornar-se educador. Com isso, entramos no terreno da educação, do desentranhar e cultivar a potencialidade inscrita na alma humana. Ou seja, o campo de lapidação da psichê e, em decorrência, a educação de uma inteligência capaz de verdadeiro conhecimento, que se verifica na habilidade de reconhecer e construir relações, com a consciência da complexidade que constitui o real.
Quando o professor se concebe como educador e acontece o reconhecimento de sua presença de mestre em sala de aula, o currículo passa a ser meio, instrumento a serviço da mobilização de competências e habilidades, organizando e dirigindo situações de aprendizagem significativa junto à comunidade de investigação.
Inicialmente, a metodologia do trabalho do mestre, que se reconhece como mediador no processo de construção do conhecimento, parte do saber prévio dos alunos e inicia processo de problematização desse saber, fomentando sempre a aplicação do saber construído, verificando as competências nas habilidades.
Nesse percurso em direção à autonomia do aluno, que deve ser constantemente desafiado a assumir-se como sujeito do seu processo de ensino e aprendizagem, o mestre transforma o erro em maior aliado de aprendizagem. Graças ao erro, torna-se possível pensar nas intervenções necessárias para um salto de qualidade. Essa visão pressupõe uma concepção de avaliação essencialmente diagnóstica, processual, cumulativa e formativa.
Assim, a característica predominante da presença do mestre em sala de aula é a transformação desse espaço em oficina de permanente apropriação e reapropriação do saber, fomentando atividades em pequenos grupos, no interior dos quais ___ com base na Zona de Desenvolvimento Proximal, elaborada por Vygotsky ___ cada componente do grupo é presença desafiadora para provocar nos demais os desequilíbrios necessários na dinâmica da construção do conhecimento.
Esse jeito de educar sinaliza para o lugar e a função do educador. Quando a metodologia verdadeiramente está centrada no laborar dos alunos, o educador logo reconhece que sua função não é “dar aulas”, e que seu maior desafio passa pelo processo de sedução, de motivação e de estímulo dos alunos para o seu engajamento nesse processo. Normalmente, esse fazer pedagógico, nos primeiros momentos, poderá caminhar em um ritmo mais lento do que o ritmo que o professor poderia impor em aula expositiva. Isso é perfeitamente compreensível e, mesmo, desejado; pois, trata-se de construir competências e habilidades, e não somente e nem primordialmente reter informações.
Para o educador, igualmente, essa metodologia implica aprendizagens de novas competências e habilidades; especialmente, aprender a administrar a progressão da aprendizagem dos alunos, que se tornam pesquisadores, em direção a uma inteligência de maior complexidade. Isso implica saber trabalhar com os diferentes ritmos e tempos de aprendizagens. Essa demanda é verdadeiramente desafiadora para o professor e para o educador, uma vez que as aulas normalmente são pensadas em função da inteligência e da sensibilidade do professor e não dos seus parceiros, os alunos.
Esse novo jeito de educar para a responsabilidade e para a autonomia do aluno implica um projeto pedagógica da comunidade educativa, envolvendo todos os parceiros, da família à escola. Contudo, considerando que as grandes mudanças e revoluções não vêm de cima para baixo, mas da base, é preciso que iniciativas aconteçam em sala de aula e que sejam, progressivamente socializadas, acolhidas e incentivadas.
Parabéns aos mestres.
Celito Meier
Vamos iniciar uma série de reflexões sobre o tema da avaliação escolar. Iniciaremos a nossa reflexão sobre o primeiro passo essencial para a realização da natureza da educação, que pretende desenvolver habilidades e competências relacionadas à progressiva autonomia intelectual e ética do estudante.
Há um conhecido ditado que diz: “nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde vai”. Nesse sentido, é preciso saber do destino que queremos construir, do projeto antecipado em nossas mentes e do horizonte para o qual e no interior do qual nos movemos, como condição estruturante para a adequada avaliação das estratégias e recursos mais condizentes e apropriados ao fim pretendido: construção da autonomia intelectual e ética, postura critica e habilidade argumentativa, presença cidadã e sensibilidade humanitária.
Dessa forma, o primeiro foco sobre o qual nos concentraremos nessa reflexão concernente ao processo avaliativo é a avaliação do planejamento da aula. Deve ficar muito claro, de início, que não estamos falando em resultado imediatamente mensurável, mas em processo de múltiplos e articulados momentos e dimensões. Antes de entrar em sala de aula, muito investimento deve ser feito no planejamento de todo o processo educativo, que será permanentemente avaliado, à luz do horizonte que nos estabelecemos como direção.
PLANEJANDO AS UNIDADES DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA ÁREA DE CONHECIMENTO.
Cada área de conhecimento tem seus conceitos estruturantes sobre os quais e a partir dos quais todo o complexo tecido do saber se constrói. Por isso, o primeiro passo é o mapeamento do campo do saber, captando e estabelecendo as relações constituintes dessa área de conhecimento. A ausência dessa percepção implica, fatalmente, fragmentação e ausência de progressividade no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que os conteúdos programáticos, na falta dessa percepção, aparecem sobrepostos, não pensados de forma articulada.
Se no planejamento da unidade temática houver, por parte do educador, a sensibilidade e o discernimento para construir essa progressividade na teia do saber, seguramente haverá, com maior probabilidade, discernimento diferenciado na escolha das melhores estratégias que possibilitarão a construção dessas relações.
A complexidade estruturadora do real, percebida pela sensibilidade do olhar do educador, solicita um segundo passo essencial para a construção de um significativo processo educativo. Torna-se insuficiente o olhar do especialista de cada área ou disciplina. Infelizmente, nossas práticas pedagógicas cotidianas continuam sendo alimentadas, predominantemente, pelo olhar do especialista isolado. É preciso fomentar o encontro dos diferentes olhares possíveis sobre o mesmo tema. Trata-se do reconhecimento da interrelação existente entre as diferentes áreas do conhecimento, que hoje se encontram artificial e metodologicamente separadas pela cultura escolar. Assim, torna-se fundamental, no processo de planejamento das aulas, que as unidades de ensino e aprendizagem sejam construídas por educadores de diferentes áreas de conhecimento. Por exemplo, os professores de Filosofia, Sociologia, Historia e Geografia, com a possibilidade de inserir outros olhares e sensibilidades, compõem um subsistema do grande sistema. Lutar contra a fragmentação dos saberes em disciplinas desconexas é um dos maiores e mais urgentes desafios para o fazer pedagógico de sala de aula. Experiências realizadas nessa nova formatação do planejamento das aulas em rede, composta por áreas afins, sinaliza para conquistas que a abordagem tradicional não permite.
Cotidianamente, queixamo-nos e ouvimos desabafos de professores referindo-se a falta de habilidade dos alunos em estabelecerem relações. Lamentamos a consciência do imediatismo e a falta da visão processual e prospectiva de nossos alunos. E não raro, no cotidiano, ouvimos a expressão: “ele [o aluno] não pensa.... parece que pensar dói”. E, contudo, são “nossos” alunos. Não será, talvez, que estejamos cobrando dele algo que nossas aulas não proporcionam? Será que o nosso fazer, em sala de aula, fomenta a dimensão reflexiva? Provavelmente, o aluno esteja reproduzindo, devolvendo justamente o que lhe passamos, da forma como passamos e da forma como talvez, também, estejamos solicitando; ou seja, fragmentadamente, em forma de evocações ou interpretações meramente lineares.
Infelizmente, muitas práticas escolares petrificadas pelo tempo e pela falta de sensibilidade aos novos tempos caminham na contramão de um processo de ensino e aprendizagem de qualidade. Por exemplo, as nossas costumeiras reuniões de professores trazem quais preocupações? Discorrem sobre quais conteúdos? As preocupações permanentes revelam quais focos? Na maioria das vezes, somos “bombeiros” ou “disciplinadores”, distantes de nossa missão maior, separados ou divorciados de um verdadeiro projeto educativo.
Essa demanda por trabalho em equipe de professores que, antes de entrarem em sala de aula, estudam juntos o mesmo tema, reconhecendo e estabelecendo as relações que compõem o todo, torna-se imprescindível em qualquer Projeto Político e Pedagógico Escolar que esteja voltado para o ensino e a aprendizagem de qualidade, não centrado no professor, mas na construção intersubjetiva, entre professores e alunos, parceiros nesse processo investigativo. Pois, imperceptivelmente, cada professor costuma trabalhar e fazer trabalhar da forma como aprendeu. E nós, educadores, precisamos aprender a refletir juntos, a pensar a complexidade do nosso tema de estudo em questão.
Na dinâmica da construção dessa comunidade de investigação, estaremos inseridos em uma comunidade verdadeiramente educativa, mergulhada na construção de habilidades e competências de complexidade crescente, na qual educadores aprendem juntos e constroem as melhores metodologias, estratégias e recursos, para a construção de uma nova forma de pensar e de fazer, de ser e de relacionar-se.
Aos mestres, com carinho.
Celito Meier
Em continuidade às reflexões iniciadas sobre o tema da avaliação escolar, abordaremos, hoje, o necessário e crucial olhar sobre as metodologias empregadas em nosso fazer pedagógico, que nos conduzirão no horizonte de nosso projeto pedagógico ou em sua contramão.
Após termos planejado as unidades de ensino e aprendizagem da nossa área de conhecimento, em sintonia com outras áreas afins, é preciso escolher e construir as metodologias que possibilitarão a construção das habilidades e competências que julgamos fundamentais ao estágio de desenvolvimento cognitivo, moral e psicossocial no qual o aluno se encontra.
Falar em método é referir- se ao jeito de caminhar do educador que possibilita e favorece aos alunos formas diferenciadas de construir o saber. Inicialmente, constatamos um vício muito enraizado em nossa pedagogia em sala de aula, que consiste na metodologia única. Aqui, cabem duas palavras. Por um lado, cada um de nós, professor, tem sua própria sensibilidade e forma de abordar os diferentes temas. E não poderia ser diferente. Afinal, estamos sempre inseridos culturalmente e somos resultado de nossas escolhas e cultivos. Por outro lado, a nossa vocação e missão educativa nos coloca em comunidade de parceiros de um mesmo processo de ensino e aprendizagem, no qual há múltiplas sensibilidades e inteligências, que necessitam de ser percebidas e alimentadas. Aqui, está um dos nossos maiores desafios e problemas: inteligências múltiplas requerem metodologias múltiplas, que despertem e cultivem as diferentes sensibilidades possíveis ao olhar humano sobre a complexa realidade em questão.
Considerando a integralidade do ser humano como foco de nosso projeto pedagógico, que inclui as dimensões afetivas e cognitivas, éticas e morais, psíquicas e sociais, transcendentes e imanentes, nossas metodologias costumam ser unidimensionais. Razão pela qual nos referimos ao vicio metodológico, pois normalmente a nossa atitude está concentra em um dos extremos metodológicos, comumente na falta da diversidade; embora, seja igualmente viciado o comportamento metodológico que busque a excessiva diversificação, que igualmente não permite o progressivo caminhar na construção de uma inteligência da complexidade do real.
Na atenção aos melhores caminhos e às melhores formas de caminhar, é preciso ficar atento à qual habilidade ou competência a referida metodologia se refere. Essa atenção costuma estar ausente em nossa prática pedagógica. Há temáticas ou desafios de aprendizagem que requererem essencialmente a solidão do aluno, seu mergulho silencioso em si mesmo. E essa etapa não pode não ser cultivada. Quanto mais a aula estiver centrada no professor, menos espaço propiciamos para essa imprescindível atitude. Da mesma forma, a socialização das diferentes percepções realizadas pelos alunos deve ser estimulada na oficina da sala de aula, uma vez que subjaz a concepção de que o conhecimento é resultante de processo de construção intersubjetiva.
A cultura contemporânea, cultura pós-moderna, é a cultura do click, que busca sempre nova e melhor imagem. Nesse contexto dinâmico, as pessoas muitas vezes encontram-se viciadas e dopadas de imagens, fixadas na superficialidade das sombras, aparências e ilusões tão bem descrita por Platão, em sua alegoria da caverna. Se, então, a cultura contemporânea traz, positivamente, a marca dessa sensibilidade visual, é aconselhável que cultivemos essa sensibilidade. Contudo, nessa dinâmica, o nosso desafio é educar o olhar para ver além do que aparece. A falta de profundidade que corriqueiramente constatamos no olhar de nossos alunos é também reflexo da falta de tempo que dedicamos para o cultivo dessa radicalidade no olhar. E isso, muitas vezes, é decorrência de nossa equivocada concepção de que não podemos dar tempo a isso, pois há um programa a ser cumprido.
Essa fixação em um programa a ser cumprido, e cumprido não de qualquer forma, mas de forma expositiva pelo professor impede o mergulho e a concentração em metodologias que trazem, em si, toda a potencialidade para proporcionar a construção de competências e habilidades em nossos alunos, que dispensariam o foco na aula expositiva e proporcionariam caminhos de aprendizagem verdadeiramente significativa. Com efeito, as metodologias centradas na interação, vinculadas ao momento da necessária solidão de cada estudante fomentam o próprio processo de aprendizagem, em ritmos diferentes da aula expositiva. E se esses ritmos são, inicialmente, mais lentos, eles o são por serem verdadeiramente mais profundos, pois essa é uma das condições do amadurecimento que não queima etapas, que vem com rigor, coerência e articulação.
Recordando o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, desenvolvido por Vygotsky, a metodologia que proporciona a atividade coletiva de alunos que se encontram em estágios, ritmos e tempos diferentes, mas aproximados, é estratégia privilegiada para a investigação da temática em questão. Isso, contudo, requer que nós professores nos identifiquemos e reconheçamos com educadores, que sabem deixar de ser o centro de referencia. Se tivermos essa aprendizagem, o nosso fazer pedagógico irá fluir com leveza, alegria e prazer compatíveis e condizentes com os surpreendentes frutos que iremos colher, especialmente a progressiva maturação dos estudantes, na construção de sua autonomia intelectual e ética, afetiva e psicossocial. Esse amadurecimento que iremos provocar constitui a raiz de suas competências e habilidades, que os transformam nos verdadeiros sujeitos do processo.
Quando Jean Piaget se refere à construção do conhecimento, ele fala da necessária apropriação e reapropriação, que deve ser fomentada por metodologias conscientemente escolhidas para tal fim. Por essa razão, uma das estratégias privilegiadas, em sala, diante dos demais colegas, é suscitar nos alunos a exposição de sua tese, de seu ponto de vista, da descoberta que fez e do percurso que construiu. Assim, alimentamos e cultivamos o confronto, abrimos espaço para a crítica e a participação, criando ambiente de comunidade investigativa; nessa dinâmica, educamos para o horizonte da democracia, no caminho da própria democracia.
Aos educadores que se dedicam na construção de caminhos que fazem caminhar...
Com estima e gratidão,
Celito Meier
Nossas reflexões estão concentradas, ainda uma vez, na ótica da avaliação, em vista de uma nova educação, capaz de lapidar o espirito humano para uma nova e diferenciada presença no ciclo da vida.
Sendo o campo da educação espaço e tempo propício à construção de convicções e valores para a vida em sociedade, é preciso que a vida cotidiana entre no espaço da comunidade educativa e seja continuamente revista e sobre ela se volte o olhar critico e esperançoso, de quem busca sempre o melhor dos mundos possíveis. Dessa forma, tematizar, problematizar e avaliar o paradigma que, atualmente, rege a vida em sociedade é tarefa fundamental, que deve permear todo o projeto educativo.
Com efeito, o paradigma ainda dominante é o econômico, fonte de verdadeiros escândalos éticos e morais, em todas as dimensões que constituem o ambiente da vida. Esse paradigma econômico, referindo-nos às reflexões realizadas por Adorno e Horkheimer, realizou o eclipse da razão filosófica, anestesiada e transformada em razão instrumental e técnica, que se tornou “mero instrumento auxiliar do aparato econômico que tudo abrange”. Nesse modelo de vida, “o pensar se coisifica no processo automático que transcorre por conta própria, competindo com a máquina que ele próprio produz para que esta possa finalmente substituí-lo”. “O iluminismo deixou de lado a exigência clássica de pensar o pensamento”. (...). “A dominação da natureza delineia o círculo para o qual o pensar foi exilado”. (Horkheimer e Adorno. Dialética do Iluminismo. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.22. 25.26.(Os Pensadores).
Aqui estamos diante de um novo ethos social, o que faz do cultivo da própria individualidade o valor supremo, passando da individualidade ao individualismo regido pela ética do sucesso a qualquer custo, por um narcisismo incapaz de ter um olhar consequente e responsável. Por isso, sem a mudança de foco, sem a educação para uma nova sensibilidade e para uma nova visão de mundo, como poderemos ensaiar e propor alternativas para uma nova civilização, inclusiva e promotora da vida com qualidade?
Com efeito, o primeiro e mais significativo trabalho da educação é possibilitar uma nova visão de mundo, sendo critica das ideologias que perpetuam um senso comum alienado a visões fragmentadas e fragmentadoras do real. Nessa dinâmica, o educador tem a árdua e bela tarefa de alimentar nova consciência e, com ela, ser mediador de esperança, com sua presença política comprometida com a construção de um novo paradigma.
Colocar-se na dinâmica da educação ética, sob a perspectiva da ética da responsabilidade implica, necessariamente, compromisso com a defesa da vida de todo o nosso planeta, tão massacrado e violentamente sugado pelo mito do progresso linear, infinito e ilimitado e pela lógica do mercado. Educar para a cidadania planetária implica superar o perverso modelo culturalmente produzido, que assim se manifesta: "crescei e multiplicai-vos, dominai e subjugai a terra”. Essa lógica é suicida, fratricida, geocida, biocida.
O tema da avaliação em educação não pode vir desvinculado do macro olhar, que considera o horizonte para o qual a humanidade está se projetando, uma vez que a educação é justamente o berço de uma nova humanidade. Por essa razão, o educador deve estar profundamente sintonizado com as urgentes demandas sociais e planetárias, capaz de ouvir o grito de tantas vítimas. Somente a partir desse olhar, que nasce do encontro com as vítimas geradas pelo nosso processo de histórico de dominação e exclusão, será possível uma afetiva e efetiva educação para a responsabilidade, na ética do cuidado com a vida.
Para mudar a mentalidade e os valores reinantes é preciso um longo processo educacional. Essa realidade, ainda utópica, nós perseguimos. Ela nos motiva a caminhar, pois nossa morada é o horizonte de sentido maior. Desta forma, a educação desafia à realização da passagem do caos à cultura solidária, do absurdo ao Sentido. Com efeito, a educação para a ética da responsabilidade nos recorda, cotidianamente, que a vocação humana no Cosmos, não é a de pisotear, dominar e destruir, mas de conviver harmoniosamente, de administrar responsavelmente a vida.
Sabemos que toda ética nasce de uma ótica e toda nova ótica irrompe a partir de um mergulho profundo na complexidade da vida. É esse mergulho que a educação deve promover, se verdadeiramente quisermos a superação do tipo de civilização que construímos nestes últimos séculos.
Esse compromisso da educação com a construção de um novo referencial para a vida humana na grande teia da vida despertará uma sensibilidade que hoje se encontra ainda muito enfraquecida; a dimensão social, do engajamento politico. Por isso, a atual indiferença e apatia politica estão na raiz que alimenta e perpetua o tão conhecido quadro de corrupções, que caminha na mais visível contramão de qualquer tentativa de uma nova ordem social.
Por isso, o trabalho educativo está na base da construção de imperativos, que solicitam o nosso dever. Atualizando esses imperativos, podemos dizer, sinteticamente, com Hans Jonas: "Age de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a terra"! "Age de modo que os efeitos de tua ação não sejam destruidores para a possibilidade futura de tal vida"! "Não comprometas as condições da sobrevivência indefinida da humanidade na terra"! "Inclui em tua escolha atual a integridade futura do homem como objeto secundário de teu querer". (Hans Jonas, Le principe responsabilité. Paris: Cerf, 1990. p. 30-31).
Portanto, considerando a educação como o processo de desenvolvimento das potencialidades humanas, capaz de transformar e substituir a impulsividade e a irracionalidade das ações pelas dimensões do direito e do dever, o primeiro passo nessa direção será o de abrir espaço para promover a problematização do nosso atual modelo de vida. O segundo passo exigirá que sejamos consequentes com as exigências que virão do primeiro passo. Assim, a grande revolução paradigmática que nosso tempo necessita só poderá vir de uma nova educação. É da educação que nascerão a nova consciência politica, o radical engajamento social e os novos políticos, homens e mulheres comprometidos com a coisa pública, com a consciência e o compromisso de verdadeiramente promover o Estado democrático de Direito.
Em comunhão com todos os indignados com a indiferença e apatia políticas, comprometidos em alimentar a esperança militante, no cotidiano esforço por suscitar uma nova visão de mundo,
com estima e gratidão,
Celito Meier
Embora estejamos no século XXI, com todos os sinais de uma radical mudança na concepção relacionada aos modos de como a mente humana aprende e apreende, o senso comum reinante na pratica pedagógica das escolas de Ensino Básico ainda insiste na organização a partir de um currículo estruturado em disciplinas acadêmicas desconectadas, que alimentam a perspectiva da transmissão unilateral de conteúdos. São novos os tempos, novas as demandas, mas, a escola resiste em responder a essas mudanças.
Não será, talvez, devido à permanência dessa postura que assistimos e acompanhamos a difícil conectividade do aluno em sala de aula? Constatamos a falta de conexão dos alunos. E qual é a nossa reação? Dizemos que essa geração é superficial, agitada, hiperativa, imperativa, dopada de imagens e movimentos, sem a disciplina para o mergulho e a solidão e sem a paciência, condições necessárias para a apropriação e a reapropriação do saber. Com essa postura, os alunos são o problema, e transferimos a responsabilidade.
Acontece que os alunos de hoje trazem uma nova sensibilidade e uma nova consciência, construídas em contexto de multiculturalismo ou transculturalização, no qual a flexibilidade e as atividades colaborativas em rede são marcas essenciais. O contexto é de rede, o espirito é de flexibilidade e de colaboração, mas a sala de aula é de fila, sem conexão, em passividade. O que se pode esperar dessa estrutura acadêmica?
A escola, com seus profissionais da educação, precisa aprender a ensinar e promover aprendizagem em novos tempos, e não ter como pressuposto que o professor já seja educador, que já saiba como promover o processo de ensino e aprendizagem nesses novos tempos. O professor não vem pronto das universidades. Normalmente, após ser contratado, o professor recebe suas turmas, para que ele administre esse espaço e esse tempo. Ou seja, professor é abandonado à sala de aula. E, assim, ele reproduz e reforça a visão do especialista e da fragmentação das múltiplas áreas do saber. E na boa fé, colabora para a morte do todo, que é relação.
Se o contexto é de rede e o espírito que a sociedade e as ciências demandam é o colaborativo e o investigativo, o Ensino Básico, que conclui no Ensino Médio, já não deveria, há muito, caminhar nas especializações, centrado em currículo disciplinar, estruturado em um tempo fragmentado e subordinado ao olhar disciplinar, mas projetar-se na integração e articulação dos saberes, na perspectiva de um currículo integrado.
Quando falamos em currículo integrado, estamos nos referindo à necessária mudança na forma de selecionar e organizar os conteúdos da aprendizagem. Na dinâmica do currículo integrado, os conhecimentos escolares são organizados a partir de grandes temas-problema. As habilidades e as competências a serem construídas e desenvolvidas relacionam-se à cooperação na resolução de problemas. Aqui, desaparecem os limites disciplinares e a transdisciplinaridade se realiza naturalmente.
Assim, o grande desafio está na revisão e/ou na construção do que seja fundamental que o aluno deva aprender, para quê aprenda e, em seguida, de como promover essa construção. Nessa nova configuração da vida em rede, é imprescindível que o aluno aprenda a interpretar as múltiplas ideologias em conflito e seja encorajado a tomar posicionamento.
Nessa radical, necessária e urgente mudança que a sociedade e o espírito cientifico solicitam das escolas do Ensino Básico, a atenção de todos os parceiros da comunidade investigativa se volta para o campo do problema em questão que os desafia e todos os conhecimentos construídos devem convergir, em atitude colaborativa, para a problematização, a pesquisa e a resolução.
Essa forma de educação, que pretende responder ao espírito contemporâneo, possibilita a nova organização do tempo escolar, que passa a se estruturar não em função da disciplina, mas da compreensão mais complexa do tema, por facilitar e promover o espírito da pesquisa, para o qual o conhecimento deve conduzir. Ao mesmo tempo, nessa reorganização curricular, cada professor passará a ser solicitado em algo que, na prática, não tem experiência: trabalhar em rede com outros professores. Aqui, a função do especialista recebe nova luz, e não mais será valorizado como um departamento, mas como elemento articulador e facilitador da construção da teia dos saberes.
Essa opção pela transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrada possibilita novo olhar sobre temas sistematicamente ausentes na abordagem tradicional, como economia, ecologia, urbanismo, governança global, etc. Assim, os projetos de trabalho em torno de grandes temas estimulam a atividade intelectual do aluno e seu espirito de cidadania, uma vez que o conhecimento passa pelo crivo da relevância social.
Seguramente, uma das maiores conquistas nessa revolução, que vincula a aprendizagem às situações complexas do cotidiano, está na formação do espírito de “eterno aprendiz” que se cultivará em todos os parceiros do projeto investigativo, professores e alunos.
Assim, em contexto de vida, no qual as informações circulam em ritmo cada vez mais acelerado, o projeto educativo ensinará a selecionar, interpretar e gerenciar essas informações, construindo o conhecimento das relações que constituem o todo, objetivando a promoção da sabedoria, da vivencia em sintonia com o conhecimento construído.
A todos os educadores que concebem a educação como processo construtivo das estratégias e das pontes que possibilitam a conexão entre os fenômenos/problemas da vida cotidiana com a atitude investigativa de professor e aluno,
Com estima
Celito Meier
“O problema da educação, no mundo moderno, está no fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição”.
ARENDT, Hannah. “A crise na educação”.
In: Entre o passado e o futuro. S.P: Perspectiva, 1992, p.245
Essas reflexões de Hannah Arendt nos remetem à essência da educação. O lugar e o tempo da educação não devem ser confundidos com as modernas novidades nas esferas da ciência e da tecnologia, tampouco serem compreendidos no objetivo de educar para as novidades pós-modernas. Falar em educação é falar em preservação da memória e do patrimônio construído por nossos antepassados. A esfera da educação, portanto, é a preservar, guardar, cuidar, proteger, enquanto vai lapidando as potencialidades inscritas em cada criança e adolescente.
Assim, o que identifica o ato de educar é a construção da ponte entre o passado, a ser sempre recuperado na memória, e o conhecimento do estágio atual no qual a civilização se encontra. Somente essa sólida formação na consciência da história da humanidade possibilitará, num futuro possível, verdadeiras revoluções, arraigadas no espírito da responsabilidade pelo nosso mundo.
Sem essa ciência da memória histórica e sem essa responsabilidade pela preservação do próprio mundo, que nova geração será essa? O que esperar de uma geração não educada na memória e no respeito aos antepassados?
A partir do jusnaturalismo moderno, o reconhecimento da fundamental igualdade existente entre os humanos muitas vezes vem alimentando ideologias e comportamentos suicidas, na proporção em que os adultos renunciam ao exercício da necessária e legítima autoridade. Essa falta de referências, expressão da pseudo igualdade, não educa, nem liberta; apenas desvincula. E desvincular é expressão de irresponsabilidade de quem deveria assumir a tarefa de preparar a nova geração para o mundo, na ciência e no reconhecimento dos elementos estruturantes e constituintes do universo verdadeiramente humano.
Nessa tarefa, o grande problema da educação passa pelo espírito que caracteriza o “mundo moderno” ou “pós-moderno”, que se infiltrou em todos os âmbitos, publico e privado, sem distinção e inundou igualmente a esfera da educação: o individualismo e a liberdade negativa, concebida como “liberdade de”, na qual o que se busca é desprendimento, ausência de vínculos. Mas, o que esperar dessa liberdade, equiparada a uma folha seca caída da árvore, que segue as inconstantes e contraditórias orientações do vento?
A tradição nos ensina que não há liberdade possível se ela não for protegida por limites. Educar no interior de limites é expressão de amor, pois é a condição de continuidade da própria vida. Acaso é possível haver rio sem margem? No limite, que guarda e orienta, está a própria condição de possibilidade.
Educação deve ser alimento que busca resultados duradouros; portanto, não de forma imediata, para o presente. O imediatismo da cultura contemporânea, presente no espírito dos alunos, e, muitas vezes, em professores e corpo diretivo, é veneno para a educação, pois desvincula o ato educativo da tradição e a única coisa que consegue verdadeiramente nesse imediatismo é trazer o aluno para a superfície, para a prematura exposição, um aparecer sem raízes.
E o primeiro resultado visível da presença desse espírito de época na vida pública e na esfera privada é a morte ou a anestesia da consciência republicana, ou seja, a falta da educação para a preservação do que é verdadeiramente o patrimônio comum, a coisa publica, a nossa historia.
Aqui, coloca-se o desafio aos adultos, educadores, pais e professores: resgatar a noção de autoridade, realidade essa possível não na imposição autoritária, mas na presença referencial que encarna valores e ensina, por sua presença, a amar a humanidade. Nessa dinâmica, a verdadeira tradição se recupera. Essa responsabilidade para com o mundo, que caracteriza o adulto que se consagra à educação de crianças e adolescentes, dá origem à autoridade reconhecida, realidade ausência nas esferas pública e privada, devido ao individualismo e à apatia ou indiferença com a qual os adultos olham para o mundo e para a política. Esse resgate da autoridade passa, portanto, pelo engajamento, pelo compromisso do educador como representante do mundo para a criança. Essa é uma postura da qual o educador deve estar consciente e deve ser fruto de uma decisão consciente e, portanto, livre, amadurecida nos longos anos de mergulho na humanidade.
Aos educadores que caminham na consciência do necessário cultivo da tradição e assumem compromisso com o resgate da verdadeira autoridade,
com estima e gratidão,
Celito Meier
“O que é a moral? É o conjunto do que um indivíduo se impõe ou proíbe a si mesmo, não para, antes de mais nada, aumentar sua felicidade ou seu bem-estar próprias, o que não passaria de egoísmo, mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro, mas para não ser um canalha, mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si. A moral responde à pergunta: “O que devo fazer?”
(Sponville, André Compte. Apresentação da filosofia.
Trad. Eduardo Brandão. SP: Martins fontes, 2002. P.20.
O tempo da educação é o tempo do cultivo do semeado que, para vir à luz, necessita, antes, de muito cuidado, de prolongada proteção dos holofotes. Assim, pensar em educação é referir-se, essencialmente, à construção dos fundamentos sobre os quais se construirá o edifício da humanidade, ou da humanização do animal homem.
Essa construção só se torna possível na mediação do educador, representante do mundo adulto, representante responsável da humanidade. Por isso, a autoridade do educador não vem da qualificação do professor, como especialista em sua área do saber, por mais importante que essa deva ser, mas de seu compromisso com a preservação da humanidade, construída por nossos antepassados.
Esse tempo do cultivo do semeado, que deve caracterizar os primeiros 18 anos de existência do ser humano, tem por essência proporcionar à criança, ao adolescente e ao jovem o acesso ao patrimônio comum da humanidade, conhecer e fortalecer os princípios que são suporte e sustentação da humanidade.
Se esses fundamentos tiverem sido construídos, na educação básica, com efetivo e afetivo rigor, não haverá, na vida adulta e pública desses, que hoje se encontram crianças e adolescentes, conivência com corrupções e passividade diante dos horrores da privatização do bem público. Da mesma forma, esses fundamentos, construídos e fortalecidos na primeira estação da vida, não aceitarão a indiferença perante a hegemonia de um modelo de desenvolvimento e de sociedade que se revela absolutamente predatório, insustentável, energívoro, que só consegue energia mediante a destruição da fonte energética.
O nosso grande problema é a exposição das crianças e adolescentes às mazelas e injustiças sociais que, compondo o quadro de nosso cotidiano, são internalizadas com o sentimento de normalidade, gerando um senso comum absolutamente voltado para o individualismo e a manipulação dos bens públicos para interesses individuais ou de pequenos grupos. Por isso, com muita propriedade, Hannah Arendt, falando da crise na educação, assim expressa: “Tudo o que vive, e não apenas a vida vegetativa, emerge das trevas, e, por mais forte que seja sua tendência natural a orientar-se para a luz, mesmo assim precisa da segurança da escuridão para poder crescer”. (ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. S.P: Perspectiva, 1992. P. 236).
Por isso, em decorrência, não poderá haver revolução política se não houver uma volta aos fundamentos. Mas essa volta não acontece na política, acontece na educação. E a revolução, por sua vez, deverá acontecer na política; mas isso só será possível se, a primeira estação da vida tiver sido marcada pela educação conservadora do verdadeiro patrimônio cultural da humanidade: o respeito e a promoção da inerente dignidade que constitui o ser humano. E essa é a esfera da moral.
Assim, a educação é o lugar e o tempo em que o educando deverá aprender a amar a humanidade, e de fazer-se digno de seus antepassados, que construíram os verdadeiros fundamentos. Hoje, assistimos, no cotidiano da vida adulta, à ausência do amor à coisa pública; essa negligência revela a irresponsabilidade desses que deveriam fazer a verdadeira revolução, na direção da preservação da humanidade.
E onde se encontra a nova geração de políticos? Onde estão os novos homens e mulheres amantes da coisa pública? Não será essa ausência expressão de um gravíssimo problema em nossa educação? O suicídio dessa forma de política, na qual o interesse particular se sobrepõe à preocupação pelo destino comum da humanidade, estaria no investimento na educação formal. Talvez, por isso, não estejamos vendo esse investimento.
Já deve ter ficado claro que o retorno à educação formal de qualidade, voltada para os fundamentos da humanidade, para o reconhecimento do Estado Democrático de Direito, no qual o direito do outro implica meu dever, torna-se o único caminho capaz de assegurar, num futuro, a necessária revolução política.
Quando dizemos, então, que a educação é o terreno da aprendizagem do dever, estamos dizendo que a internalização dos princípios sustentáveis da humanidade se exteriorizará, na política, como dever, como exigência que brota da convicção interna, capaz de resistir a toda forma impulsiva, capaz de recusar e calar tudo aquilo que em nós clama, mas que não é racional.
Essa passagem da irracionalidade impulsiva, das primeiras tendências do animal homem, para o direito e o dever do homem civilizado será construída na educação. Mas, para que isso aconteça, quem terá que ser esse educador? Qual o perfil desse ser adulto que fará a ponte entre o mundo da criança e o mundo adulto? Qual a identidade dessa comunidade educativa capaz de debruçar-se sobre os fundamentos da humanidade, sem ceder à tentação de preparar para esse mundo novo, no qual reinam o imediatismo, e a pragmática tirania dos desejos individuais.
Sendo a educação a volta sobre o ser humano, na preparação para a vida moral que deverá reger a vida politica, ela é o terreno da semeadura, da solidão, da necessária disciplina, que está na base da progressiva emancipação do ser humano da sua esfera animal para a especificidade espiritual que o constitui. Nessa dinâmica, cada novo ser educado aprenderá a buscar o universal, por uma exigência interna, realizando o categórico imperativo kantiano que assim expressa; “Aja unicamente de acordo com uma máxima tal qual você possa querer que ela se torne uma lei universal”. Esse imperativo, que se encontra nos Fundamentos da metafísica dos costumes, somente será realidade se cada indivíduo recebeu, em sua educação básica, um banho de humanidade.
A todos os colegas, professores e educadores, conscientes e amantes da solidão e da disciplina que o ato educativo implica, na educação para o dever moral,
com estima e gratidão,
Celito Meier.
“Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore no conteúdo transmitido, nos métodos e nas técnicas de transmissão e nos critérios de julgamento, as desigualdades [...]. A igualdade formal que regula a prática pedagógica serve, na verdade, de máscara e de justificativa à indiferença para com as desigualdades reais do ensino e diante da cultura ensinada ou, mais exatamente, exigida”.
Bourdieu, P. “L’école conservatrice. L’inégalité sociale devant l’école et devant la culture”,
Revue francaise de sociologie, 1966.nº 3.
As nossas últimas meditações estão em sintonia com a reflexão realizada pela cientista política Hannah Arendt, em sua abordagem da crise na educação americana. O fragmento de Bourdieu, acima transcrito, é alimento para a continuidade nossa meditação. Essa indiferença às diferenças, ou a igualação do não igual constitui a raiz politica de muitos problemas relacionados à educação. A mentalidade ou o espírito dos adultos de hoje, adúlteros da diferença, que não assumem compromisso e responsabilidade nem com a preservação da memória histórica e nem com a luta política por uma sociedade verdadeiramente democrática, repercute na educação, ao cultivar um espírito que contradiz a essência da educação: o imediatismo.
Quando nos referimos a uma sociedade verdadeiramente democrática, estamos no horizonte da pluralidade, no reconhecimento de que as pessoas são desiguais e desiguais não devem ser tratados como iguais. Essa, inclusive, foi a grande crítica de Platão à democracia ateniense, na qual os cargos públicos eram sorteados entre os interessados, nem considerar competências, habilidades ou ciência política.
Assim, a perversidade do principio da igualdade, que caracteriza a América, está na igualação do não igual, que revela uma profunda indiferença à potencialidade, resultando na absolutização de uma situação. Em termos educacionais, isso é perverso, uma vez que degenera a potencialidade em conformismo, anestesiando a sensibilidade e a responsabilidade com o processo de formação e desenvolvimento daquilo que está latente na nova humanidade, que nasce em toda criança. Proteger e desenvolver essa humanidade potencial, através do mergulho no patrimônio construído é nosso dever primeiro, na condição de adultos responsáveis, que amam a preservação do mundo e amam a criança em desenvolvimento.
O referido espírito politico que marca a nossa atual cultura, que alimenta a passividade, o conformismo e impossibilita a revolução politica torna-se profundamente perverso na educação, à medida que não fomenta o mergulho na singularidade de cada aprendiz, gerando mediocridades, que se arrastam na superfície do imediato, aos impulsos do vento. Essa mediocridade na educação não é, em princípio, da educação, mas da politica.
A renúncia dos adultos em assumir a responsabilidade pelo estado atual do mundo e da sociedade, que prolifera nas crescentes corrupções aliadas à impunidade, reflete no descaso com a educação de qualidade, faz-se presente nas decisões politicas que contradizem a essência da educação, à medida que decisões politicas invadem a esfera da educação, instrumentalizando a educação, tornando-a refém de projetos políticos oligárquicos, absolutamente descompromissados com a salvaguarda da humanidade.
Essa banalidade e superficialidade de uma cultura sem memória, sem tradição, aliadas à privatização do público e à exposição pública da infância, que deveria ficar no silencio e no anonimato das raízes em formação, são os motivadores mais acentuados da atual crise em nossa educação, que se encontra refém e instrumentalizada pela politica.
O maior desafio para a educação é voltar à sua essência, na formação do espírito humano, profundamente enraizado nos valores e princípios que sustentam a humanidade há séculos, sem ceder à tentação de expor as crianças e os jovens à configuração atual do mundo, que mais se aproxima de sua destruição do que sua preservação.
O adulto que assume o papel de educador deve conjugar competência e autoridade, conhecimento e responsabilidade, tanto na defesa e na preservação do mundo contra o constante assalto da novidade e dos interesses particulares quanto na proteção e no cuidado da criança, que é um novo ser em desenvolvimento, cujas potencialidades só poderão atualizar-se ao preço da não exposição. Da mesma forma que não se coloca uma plantinha recém-nascida à exposição do sol forte, da chuva intensa ou do vento impetuoso, mas que se protege na sombra, na estufa, na lenta e gradativa exposição à luz, uma criança, vinda ao mundo velho e estranho, nascida na tradição de um povo, tem o direito à lenta e progressiva gestação, e deve crescer na ciência e no respeito da tradição milenar, assimilar o patrimônio construído por sua comunidade. Caso contrário, corremos o risco de nosso impulso por novidades destruir as nossas raízes e a nossa memória, construindo uma geração de individualistas e imediatistas, para os quais o mundo é uma realidade a sugar, movidos pelo principio do prazer, alimentado pela atual configuração do mundo e muitas vezes reforçado por aqueles que deveriam ser a ponte entre a criança e a tradição.
Mais uma vez, insistimos em dizer, não se deve instrumentalizar a educação, não se deve pensar na educação como preparação para este mundo novo. Isso é um equívoco que reflete muita alienação. É verdade, o mundo novo deve ser construído na política, através de adultos que, fiéis à memória, buscam as melhores traduções e expressões históricas aos consagrados princípios humanitários. É nesse sentido que Herbert Marcuse, em A dimensão estética, expressa que “a autêntica utopia baseia-se na memória”. Mas, para isso, é preciso valorizar e resgatar a educação conservadora.
O lugar da educação é tempo e templo, no qual as diferenças devem surgir, crescer e serem alimentadas, para que essas crianças e jovens, uma vez educados, tendo atravessado a ponte para o mundo adulto, tornem-se, então, em nome da memória, adultos revolucionários, construindo Estado Democrático de Direito, no qual os mais preparados e mais responsáveis assumem as funções políticas que lhes competem, como dever, em solidariedade com a humanidade que clama por Justiça e Paz.
Aos educadores, comprometidos com o espírito de renascimento da humanidade na educação de cada nova criança que vem ao mundo,
Com estima e gratidão,
Celito Meier
Inicia-se novo ano e, em principio, renovam-se as esperanças. Mas, ao olharmos para a situação na qual se encontra a nossa educação, especialmente o Ensino Básico, qual alimento será capaz de reacender e manter acesa a chama dessa esperança? Quem está inserido no processo de ensino e aprendizagem, em sala de aula, há décadas, encontra-se perplexo, pasmado ante as últimas medidas e acontecimentos relacionados ao Ensino Básico.
A instrumentalização politica da educação, que a torna refém de projetos ideológicos estranhos à essência mesma da educação tem provocado profundo mal-estar na alma dos educadores comprometidos com a excelência do ato educativo. Na essência da educação está o lapidar da alma humana, de suas potencialidades, o que requer disciplina, mergulho nas profundidades da alma e da civilização, no silêncio, no anonimato ou na ausência de exposição pública.
Por mais que todos nós, educadores, estejamos comprometidos e lutemos pela democratização do ensino e pela universalização do acesso à educação de qualidade, há uma realidade que se impõe a nós, desde fora, no ato de educar: a diferença que existe na alma humana, no que se refere à motivação para o estudo, no empenho pessoal, e no rendimento escolar. Em outros termos, o conceito democrático de igualdade caminha com a pluralidade de ritmos e a diversidade de níveis de aprendizagem.
E, aqui, se localiza uma das maiores inquietações dos educadores que assumem a responsabilidade de educar para a preservação do patrimônio cultural da humanidade e lutar pela defesa dos principio e dos valores construídos pelos nossos antepassados, que mantém a possibilidade de sobrevida da humanidade. Referimo-nos ao esclarecido mal-estar dos verdadeiros educadores, representantes do mundo adulto, ante o processo de nivelamento medíocre e mediano ao qual nossas crianças e adolescentes estão sendo submetidos no ensino básico.
Essa frouxidão jamais será amor à educação. Travestido sob o nome de habilidades e competências ___ por mais evidentes que elas serão como decorrências de aprendizagem profunda ___ instaura-se um reino de maquiagens na educação. E é na superficialidade ou na banalização dos pré-requisitos teóricos que o mundo verdadeiramente adulto e civilizado requer, que consiste o mal-estar que aflige o espirito do educador. E essa banalização é politicamente provocada. Será intencional? Gostaria de não crer nisso.
O que esperar para os próximos 30 anos? Nenhuma educação gera o necessário espírito politico revolucionário se ela não for, em todo o seu ciclo básico, essencialmente conservadora. É da natureza da educação levar as crianças às raízes da humanidade, lutando contra os impulsos de nossa primeira natureza, passional, lúdica, dispersiva. Em nome de modernos princípios pragmáticos, originados na política, a educação vem sendo transformada em refém, refém de um sistema. E quem se esconde atrás desse sistema impessoal? Quem o criou? Quem o está alimentando diariamente? E essa alienação da educação é a maior ameaça à esperança, nesse início de ano.
Na manipulação politica da educação, a figura que aparece diante de nós, maquiada, é capaz de provocar tanto admiração quanto estranhamento. Mas, o educador que tem ciência da alma humana sabe de suas potencialidades, de suas artimanhas. Potencialidades que requerem, para o seu desenvolvimento, disciplina do aprendiz de humanidade e mediação de adulto amante e comprometido com a evolução do espírito humano. E artimanhas de uma alma preguiçosa, que deseja a sexta-feira ou não gostaria que o domingo terminasse.
Vamos recordar a alegoria do Cocheiro, de Platão. Há uma carruagem conduzida por um cocheiro e puxada por dois cavalos, um bom, dócil e obediente; o outro, cego, furioso e indisciplinado. A parte racional da alma é o condutor; a parte volitiva é o cavalo obediente. Nessa alegoria, percebemos que a alma se divide em três partes: racional, volitiva (emocional) e apetitiva, localizadas, respectivamente, na cabeça, no peito e no abdômen (e adjacências). Na parte racional, da inteligência, da ética e da lógica, encontra-se o referencial distintivo da humanidade, seu o guia. No peito, parte volitiva e emocional, obediente à parte racional, localizam-se os grandes, nobres e superiores sentimentos, vontades e emoções do ser humano: honra, coragem, amor ao direito e à justiça e ódio à injustiça. E a parte inferior, correspondendo aos desejos inferiores, carnais e desordenados, seria a dimensão instintiva e rebelde de nossa primeira natureza, que resiste à lapidação.
E a pergunta se coloca: O que acontecerá à carruagem, se o cocheiro cochilar? O cavalo instintivo e cego, da esquerda, comandará, contando com a obediência do cavalo da direita. Pois é justamente isso que acontece com a educação se o educador cochilar. E quando, aqui, dizemos educador, estamos nos referindo à consciência.
Há um perigo e um grande inimigo nos rodeando, que está mostrando sua força dominadora, através de seus “estímulos” anestesiantes e analgésicos da consciência, impossibilitando, a alunos, professores e corpos diretivos, o antever a queda da carruagem, a queda da educação, a queda da humanidade.
Dirijo-me a todos os educadores que ainda acreditam, inseridos na esperança militante, contra o principio da igualdade niveladora, de que a humanidade necessita, para o seu governo, que desiguais não sejam tratados de forma igual. Falo aos educadores sensíveis às visíveis diferenças existentes na alma humana, que oferecem às potencialidades a possibilidade de desabrochar e lhes fornecem o alimento para o crescimento de sua singularidade,
Com muita estima e gratidão aos educadores, reconhecidos em sua autoridade, de legítimos representantes da história da humanidade, por assumirem a responsabilidade de alimentarem, em cada nova criança que se aproxima do ideal conservador da educação, o ideal revolucionário da política, só possível nessa fidelidade à memória dos antepassados.
Celito Meier
“Presentes em todas as sociedades, as desigualdades de capital cultural apresentam-se, primeiramente, como capacidades desiguais de compreensão e de ação, revelando um poder desigual sobre as coisas, os seres e as ideias. Nem todos os indivíduos que coexistem em uma sociedade, tanto crianças quanto adultos, enfrentam as situações da vida, sejam elas banais ou extraordinárias, com os mesmos meios intelectuais e culturais. Essa desigualdade existe tanto nas sociedades sem escola com nas sociedades altamente escolarizadas. Mas a emergência da forma escolar modifica o estatuto, a natureza e a visibilidade das diferenças culturais”.
PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada. Das intenções à ação. Trad. Patrícia C. Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. P.18.
Existem, naturalmente, hierarquias de excelência, nas quais as pessoas mostram competências diferentes no domínio material ou espiritual de certas dimensões do real. Contudo, o fracasso escolar não é e não pode ser visto como uma expressão ou tradução dessas desigualdades naturais, uma vez que os domínios de saberes que a escola irá avaliar deverão, antes, ser ensinados.
Pressupondo ritmos e sensibilidades diversas em grupos necessariamente heterogêneos, torna-se fundamental que a nossa abordagem em sala de aula coloque o aprendiz no centro da atividade. Assim, o nosso jeito de estar em sala de aula, na condição de educadores e formadores, deve permitir e proporcionar a cada aluno aprendiz a construção pessoal do seu próprio percurso, na relação com seus pares, no diálogo investigativo.
Quando dizemos diálogo investigativo, estamos pressupondo uma comunidade de aprendizes, de estudantes e professores, que tem em mente a realização de um projeto, para o qual todos os seus saberes já construídos estão voltados. Dessa forma realiza-se o sentido da vida escolar, uma vez que o que nela se aprende pode ser investido fora dela, hoje ou mais tarde. A esse reinvestimento transcendente ou transformador especialistas nomeiam “transferência”.
Essa capacidade de transferência deve ser perseguida por todos os membros da comunidade educativa. Ora, se a transferência é essa capacidade do sujeito de reinvestir suas aquisições cognitivas, seus conhecimentos prévios, em situações novas, é imprescindível que ele, com seus pares, se depare com essas situações novas. Assim, essa transferência não é processo espontâneo, natural, prévio, não é transposição automática. Requer disciplinado trabalho mental, de um sujeito, sempre aprendiz, em uma nova e desafiadora situação, que lhe é apresentada e proposta, na qual deverá intervir.
Cada aluno aprendiz é portador de saber prévio. A competência, agora, receberá um nome: saber-mobilizar, com base na junção e integração dos recursos disponíveis. A transferência, dessa forma, é uma atualização do saber prévio, que significa nova aprendizagem em situação inédita. Assim, essa postura implica atitude reflexiva na ação. Aqui, a metacognição recebe todo o seu sentido, uma vez que implica o retorno do aprendiz sobre seu próprio processo de aprendizagem. Em decorrência, todo o aprendizado vira uma caixa de ferramentas, no interior da qual se retira o que a nova situação pede para a sua resolução.
Preparar os alunos para essa capacidade de transferência requer um contrato de trabalho que deve negar tanto a tradicional passividade do aluno que espera que o professor mostre como fazer, para que ele reproduza, quanto deverá negar a postura centralizadora do professor. É preciso negociar com os alunos um contrato de trabalho que requer deles 08 horas de atividades diárias, nas quais serão desafiados a buscar na caixa de ferramentas dos saberes construídos os recursos para resolver novas e progressivas situações problemáticas da vida real. Nessa dinâmica, na qual o aluno se torna trabalhador e aprendiz de profissão, a incerteza caminha com a confiança.
O êxito em situação desconhecida revela a aprendizagem bem sucedida da transferência. E quando o êxito esperado depende de uma aprendizagem a ser conquistada, o engajamento na aprendizagem para a transferência será maior. E nessa comunidade investigativa, ninguém domina tudo o que será necessário para a realização do projeto; por isso, as múltiplas inteligências, sensibilidades e saberes aprendem a se relacionar e reconhecem a mutua dependência.
Assim, no horizonte da educação que se volta para a construção de alunos competentes está a capacidade de interferência, com base na competência de produzir hipóteses e mobilizar saberes. Esse saber mobilizar recursos, que constitui a essência de toda competência, é um esquema de trabalho aprendido.
Se aluno competente é aquele capaz de mobilizar tudo que aprendeu para resolver situações desafiadoras em ambiente novo, então, se temos compromisso com a competência, devemos associar saber e experiência, transformando a sala de aula em oficina de construção continuada, em complexidade crescente.
Dessa forma, colocamo-nos na dinâmica de uma educação emancipadora, na qual o aprendiz é tomado e reconhecido como sujeito, e por isso, deve poder ter acesso às condições que o responsabilizarão pela construção do seu percurso, com progressiva autonomia intelectual e ética.
Aos educadores que tem compromisso em tornar os alunos competentes nesse saber mobilizar o saber prévio,
com estima e gratidão,
Celito Meier
O que significa falar em erro, quando o que se pretende é autonomia intelectual e ética? Onde está o erro, quando o que se busca é um pensamento critico e criativo?
Essas questões nos remetem à natureza do erro na trajetória da educação. Inicialmente, o maior erro, que implica contradição interna com a educação, consiste na renúncia ao pensar, no não querer aprender ou, para servir-nos de uma expressão de Kant, na falta de ousadia ou na covardia de quem tem em si todas as condições para a emancipação ou maioridade. Considerando a racionalidade como potencialidade humana, a função do professor, que assume sua identidade de educador, é despertar a sensibilidade e o querer para a formação das estruturas mentais, das competências, que se expressarão nas múltiplas habilidades correlacionadas.
Em segundo lugar, o erro possível e muito presente nos alunos é a falta de rigor e a incoerência argumentativa. O colega professor, seguramente, deve se deparar constantemente com isso. Nossos alunos, quando desafiados para fazerem a defesa de um ponto de vista, muitas vezes fazem uso de orações fragmentadas, desconexas; outras vezes, incorrem em pensamentos falaciosos, dos mais diversos tipos.
Quando o erro não consiste na falta de coerência, está na contradição. Muitas vezes, encontramos contradições na argumentação oral ou escrita. Esse é um erro que deve ser rigorosamente sinalizado e superado. Não se trata de o aluno ser a favor de ou reproduzir uma ideia, a não ser que essa seja a solicitação de um comando; trata-se de ele mostrar a cara, expor seu ponto de vista de forma coerente. Aqui, um grande recurso é o trabalho bem articulado com português e produção de texto, no recurso constante e correto dos termos coesivos, dos conectivos.
Outro erro muito comum, que pode ser verificado na interpretação de texto, é atribuir ao texto informações, dados ou conclusões que o texto não permite. Ora, diante de um texto, existe relativa objetividade possível, que o aluno deve ser capaz de perceber. É preciso educar a sensibilidade do olhar do aluno para a habilidade de perceber a tese, ou o pressuposto ou as decorrências explicitas no texto e mesmo ser apto para perceber, a partir do dado, o que está implícito ou ser competente para inferir possibilidades.
Diante desses “erros” ou inabilidades diagnosticados, a nossa função está em intervir com as melhores estratégias. E as melhores estratégias necessariamente são plurais, considerada a heterogeneidade de todo grupo humano e de suas formas de perceber, apreender e construir sentido. Nessa lógica e nessa dinâmica, há um erro inaceitável: o erro do professor que não considera, em sua prática, a dimensão diagnóstica, processual e formativa da avaliação ou que faz do erro do aluno um instrumento de manipulação e punição vingativa.
Para o aluno, a percepção do erro deve estar vinculada à noção de processo maturativo, de aprendizagem. A associação do erro à perda de pontuação em avaliação formal, pode ser, para alguns, motivador de maior atenção, uma vez que os erros, em sua maioria das vezes, acontecem não por incompetências, mas por distrações, divagações, falta de concentração.
Dessa forma, quem se entrega ao ato de educar e cultiva a potencialidade do aluno considera o erro grande aliado da aprendizagem, não só sob o aspecto cognitivo, mas também moral e afetivo.
Não deve haver conivência com o erro, tampouco falta de atenção. É preciso se concentrar na história do erro e em suas decorrências.
O que o colega professor não deve esquecer jamais é que os alunos se encontram em formação. Encontram-se justamente na fase do “erro”, ou seja, na fase da aprendizagem. E a nossa função é justamente trabalhar esse erro. O nosso erro é julgar que os alunos estejam prontos. Ou seja, a educação está no processo.
Aqui se coloca um dos sinais da autenticidade de nossa vocação educativa: a sensibilidade e o amor à arte de lapidar a alma humana.
Aos educadores compromissados com o processo de formação da alma humana, que olham para o erro e nele encontram o tempo oportuno de intervir para aprendizagem significativa,
Com estima e gratidão,
Celito Meier
Nessas últimas décadas, assistimos a uma explosão de questões vitais em termos planetários, dentre elas destacamos: a crise ecológica e demográfica, a fome e a miséria no mundo contrastando com a opulência e o desperdício de alguns, a guerra entre povos, o neonazismo e o problema do reconhecimento dos direitos das minorias e das relações internacionais, as políticas ditatoriais, a indústria da violência e das drogas e, fundamentalmente, a banalização da vida em si. Essa realidade manifesta a urgência de uma reflexão ética abrangente que possibilite a formação de uma nova inteligência, capaz de um novo olhar, de uma nova ótica, ou ética, de dimensões planetárias.
MEIER, Celito. Filosofia: Por uma inteligência da complexidade. PAX Editora, 2010. P. 465.
Considerando a natureza da educação, a comunidade local é o lugar onde a educação acontece, a partir da qual se realiza e para a qual se encaminha. Por essa razão, as questões vitais precisam ser tematizadas e problematizadas, para que o espirito da cidadania se forme e se fortaleça.
Na condição de mediadores e representantes culturais diante de nossos alunos, nossa identidade se realiza na formação de alunos competentes. Nossa missão maior está no compromisso em tornar os alunos competentes no domínio das múltiplas linguagens e conceitos e em sua correta aplicação na leitura compreensiva do mundo. Dessa competência nascerá a habilidade de intervir na realidade, de propor alternativas para situações sociais, exercendo a cidadania na democracia participativa.
Assim, um dos grandes desafios que nós educadores temos que assumir e realizar é o desenvolvimento, no aluno, da habilidade de aplicação conceitual. Ou seja, uma vez construído o conceito, o aluno deverá ser hábil para, no confronto entre teoria e prática, pensar hipóteses e construir estratégias de intervenção, que visam ao progressivo bem estar da comunidade, com a crescente erradicação dos problemas que comprometem a inclusão social, agindo com a consciência do pertencimento ambiental mais complexo.
Esse é um dos grandes méritos do ENEM, ao estabelecer as competências e habilidades por área de conhecimento profundamente vinculadas à vida social. Vejamos alguns exemplos da matriz de Referência de Ciências humanas e suas tecnologias.
Área de competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
Habilidade 21 (H21)- Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
Habilidade 23 (H23) - Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
Habilidade 24 (H24)- Relacionar cidadania e democracia na organização da sociedade.
Habilidade 25 (H25) – Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social
A nossa insistência nesse ponto deve-se especialmente, ao reconhecimento da natureza “individualista”, “não gentil” do ser humano, que necessita de ser iniciado e educado nos valores que possibilitam a continuidade da vida da comunidade e da cultura. Infelizmente, quando a educação descuida dessa dimensão e permanece centrada na transmissão de informações desconexas e desvinculadas da realidade social mais ampla ela reforça a tendência suicida alimentada pelo espírito explorador, que indiscriminadamente e inescrupulosamente destrói as bases sobre as quais a vida se assenta.
Por essa razão o educador deve trazer uma dimensão muito maior do que a de um especialista de uma área de conhecimento, uma vez que tem compromisso com a lapidação da alma humana para a vida politica, que requer a aprendizagem dos limites éticos como condicionantes da vida social. Por essa razão, a tarefa do educador, embora seja nobre e talvez por isso seja nobre, é um trabalhar contra a nossa primeira natureza animal, impulsiva e dominadora. E essa é uma das grandes razões pela quais não é tarefa fácil. Mas, seguramente, para quem tem alma de educador essa não é a dificuldade maior. Infelizmente, a maior dificuldade é aquela que poderia e deveria não existir, que é colocada de fora, por questões politicas, por decisões ou omissões que impedem as condições decentes de trabalho digno do educador.
Aos educadores que não desanimam no caminhar e ainda conseguem alimentar o espírito educativo, a pesar de todos os pesares artificialmente criados e colocados, nossa estima e gratidão,
Celito Meier
Se considerarmos os grandes educadores que a humanidade já conheceu, aos quais as pessoas se referiam como “Mestres”, encontraremos traços de personalidade e de relacionamento de homens e mulheres que gestavam em seus interlocutores novo jeito de olhar e ver, de ouvir e escutar, de aproximar-se e deixar-se tocar, de relacionar-se de forma diferente, libertadora.
À luz dessa pedagogia que desinstalava o individuo e o interpelava para ser presença diferencia no mundo, nossa presença educadora e nosso fazer pedagógico devem ser luz e referencial, para que os alunos interlocutores possam mergulhar em si mesmos e nesse mergulho reconhecer a potencialidade politica ainda anestesiada ou sonolenta.
Em contexto de ideologia pós-moderna, que engendrou a morte das utopias e o reino da desesperança, uma primeira tarefa fundamental do educador é colocar-se a serviço da vida, alimentando a esperança e a utopia. Nossa morada não pode ser reduzida ao momento histórico atual. É à luz de um horizonte maior que devemos nos mover e é a partir dele que devemos tomar as decisões cotidianas.
Fundamentalmente, o educador (não só professor, não instrutor) faz parte da corrente esperançosa do mundo, que acredita na possibilidade do conhecer, do ser, do conviver e fazer diferentes. A sua presença já é presença de motivação existencial, de compromisso politico-libertador. Assim, em meio à morte das utopias, do império do débil e do “light”, da “curtição” narcisista do momento, o educador busca educar para um projeto maior de vida, para o que realmente satisfaz a alma humana e não somente visar a satisfação do desejo desenfreado de consumidores que tudo reduzem a objeto de experimentação, procedimento esse que acaba gerando não só a perda do outro, mas também perda de si próprio.
Em meio ao individualismo pós-moderno, é preciso educar para o coletivo; em meio à violência crescente educar para o respeito e a promoção das diferenças e a defesa da coletividade. Requer-se uma educação para o convício responsável e solidário. Essa educação não se faz no plano teórico. É preciso possibilitar experiências cotidianas concretas, nas quais o individuo possa se flagrar pessoa, ser relacional e reconhecer que os grandes problemas sociais são um produto da cultura, historicamente fabricados.
O projeto de vida maior, para o qual pretendemos educar, considera cidadania planetária e, por isso, deve considerar em suas decisões cotidianas as gerações futuras que ainda não nasceram.
Precisamos de educadores que tenham bebido da mística e espiritualidade do humano, verdadeiramente humano, capaz de superar sua primeira natureza instintiva e impulsiva, criando para si mesmo, pessoal e coletivamente, orientações de condutas, máximas capazes de orientar suas decisões na direção da sociabilidade humana, criando cultura inclusiva.
Isso deve ser realizado em toda ação particular, pois é nela que o universal abstrato deverá se concretizar. Nessa dinâmica, a presença afetiva do educador é a presença de uma espiritualidade que sabe cuidar das coisas e das pessoas, razão pela qual, na maioria das vezes, caminha na contramão, na contracorrente de uma ideologia imediatista e de um estilo de vida individualista. Esse amor que cuida, por se tornar responsável, busca outros jeitos, imagina e cultiva possibilidades ainda latentes, não manifestas, e antecipa o possível.
Que a nossa prática fomente o encontro com o diferente. A partir do encontro com o diferente, seja social, ideológico, étnico ou de gênero, acontecerão o reconhecimento, a defesa e o cultivo da unidade, necessariamente plural. Devemos nos colocar a serviço de uma espiritualidade que transcenda qualquer particularismo, embora deva considerar toda particularidade, por ser complexa, como a vida.
Aos educadores engajados na construção do novo espírito humano, é uma nova ética, que produzirá uma nova política, de inclusão, com estima e gratidão,
Celito Meier.
É comum ouvirmos a afirmativa “é preciso investir na educação para mudar o país”, mas quais são os fundamentos não ditos que sustentam essa afirmativa e por quais razões esse investimento não é feito e tampouco visível na agenda política dos candidatos que surgem para o serviço da vida política?
Inicialmente, o fundamento maior de a revolução ser possível somente tendo a educação como meio deve-se à essência conservadora da educação. Parece paradoxal. Contudo, a revolução somente é possível à luz de uma memória, à luz de valores construídos no passado e que, devido a desvios históricos em diferentes âmbitos que integram a vida pública e política, necessitam de ser recuperados em novos contextos.
Mas, como recuperar valores historicamente perdidos? Querer iniciar esse processo na política é expressão de ingenuidade, uma vez que nesses homens, que atualmente ocupam os cargos políticos, falta algo de essencial que deveria ter sido cultivado na educação: o amor à coisa pública, amor à república, espírito politico de quem busca preservar o patrimônio histórico e cultural do país, a identidade de nação, lutando contra as mazelas e vícios historicamente construídos.
Dessa forma, a construção espiritual constitui o tempo e o lugar da educação; ou seja, as crianças recém-chegadas a este mundo serão educadas em um novo espírito que, na verdade, será o resgate do espírito da civilidade, espírito atualmente corrompido por aqueles que privatizaram a coisa pública e tornaram público o que deveria ser preservado e protegido.
Dos fundamentos da educação como caminho para a revolução, uma vez cultivado o amor à coisa pública, decorre a consciente atitude de estranhamento e de desnaturalização dos vícios da vida politica. A falta desse estranhamento, que atualmente se verifica, legitima absurdos e alimenta omissões que perpetuam injustiças históricas. A desnaturalização desses vícios torna-se possível somente se houve, no passado recente, um verdadeiro processo educativo focado nos princípios e nos valores que constroem humanidade, que implica humanização.
Dessa forma, solicitar dos “nossos representantes” ênfase em educação é o mesmo que dizer-lhes: queremos o fim desses “ratos”. Isso levado a sério nos faz reconhecer que a política terá que lançar as sementes da própria destruição, destruição de uma forma histórica de fazer politica. Talvez isso seja pedir demais aos nossos políticos. Talvez o “demais” consista no pedir, uma vez que pressupõe uma “falta”, a ausência de autonomia de quem verdadeiramente deveria assumir-se membro do corpo soberano.
Essa passividade e apatia politica, historicamente alimentada pela ausência da educação como prioridade de agenda política, revelam não só a anestesia da cidadania, mas também engendram a morte do espírito revolucionário.
Celebrar o fim do “carnaval” e reconhecer as “cinzas” que somos é tempo propício, mais do que cronológico, para enterrar certas atitudes e alimentar o cultivo de um novo espírito politico a renascer, ou a nascer verdadeiramente.
Aos educadores que alimentam nos alunos o amor à coisa publica, sendo testemunhas do amor à memória e presença de cuidado, de proteção e cultivo da cidadania, nosso agradecimento e estima,
Celito Meier
Sem a educação, a humanidade não acontece, a humanização torna-se impossível. Mas, para qual humanidade pretendemos educar?
Falar em educação é falar em processo de lapidação da alma humana, que envolve relações intersubjetivas, mediadas por adulto educador, que necessita de ser representante do mundo adulto e, ao mesmo tempo, sujeito crítico, autônomo, amadurecido.
Antes de mergulharmos na reflexão, queremos deixar claro que é preciso evitar dois extremos na educação moral. Um primeiro modelo a evitar é o de uma educação moral que transmite valores universais, inquestionáveis e imutáveis. Nesse caso, haveria mera reprodução, formatação da mente humana e não educação. Outro extremo a evitar é o modelo de educação no qual todo e qualquer valor está restrito à dimensão subjetiva, que descarta qualquer possibilidade e compromisso com a construção de consensos. Nessa lógica, também, não faz sentido falar em educação moral, que requer juízos morais individuais em sintonia com princípios que possibilitam a vida em comunidade.
Dessa forma, o caminho da educação moral que pensamos refere-se à construção de valores, e deverá estar fundamentado na consciência e na autonomia do sujeito, situado politica e culturalmente.
Falar em educação moral implica conciliar duas dimensões, promovendo a passagem de uma para a outra. Trata-se das dimensões da obrigação e do dever. Inicialmente, a criança deverá ser educada para a obediência aos valores culturais, objetivamente existentes. Nessa esfera, estamos no estágio da heteronomia, uma vez que a criança naturalmente vive no princípio do prazer e precisa ser educada para o principio da realidade, na qual o representante do mundo adulto diz como é o mundo no qual ela irá se engajar. Esse primeiro nível exige adaptação da criança à realidade cultural, o que implica em freio ou limite nos impulsos individualistas constitutivos de sua primeira natureza.
Esse primeiro passo é a obediência aos princípios e valores da cultura. Contudo, a educação moral não pode se restringir a essa dimensão, sob o risco da alienação e do infantilismo. É preciso promover a passagem do estágio da heteronomia para o estágio da autonomia, ou seja, a transição da obediência por obrigação para a ação movida pelo dever, na qual a obediência se fará por uma exigência da razão, exigência interior, que brota de uma mente em esclarecimento.
No nível da autonomia, a ação humana se articula de forma consciente e livre, na cooperação e na reciprocidade dos membros de uma comunidade, engajados na promoção da progressiva humanização da civilização.
Para essa educação moral, a comunidade educativa deve promover situações de aprendizagem nas quais as crianças e os jovens tenham a oportunidade de vivenciar, em equipe, a construção e a consolidação de valores morais, mediante reflexões éticas amadurecidas e racionalmente fundadas.
A educação moral vai construindo a personalidade moral do individuo que vai amadurecendo gradativamente no senso de justiça, na emissão de juízos críticos a respeito da configuração do tecido social, das normas sociais existentes, no afetivo e efetivo engajamento na construção da justiça social.
Quanto aos procedimentos metodológicos, os educadores deverão fomentar debates e discussões que promovam a construção conceitual e atitudinal, propondo dilemas ético-morais, que solicitam habilidades relacionadas à resolução de conflitos. Dessa forma, o educador se coloca na dinâmica da construção da personalidade moral do estudante, em contexto de democracia participativa.
Assim, a educação moral que visa à formação da personalidade moral do sujeito consciente e autônomo passa pelo reconhecimento da alteridade como valor moral. A existência do outro interpela meu ser para um processo de descentração, na construção de uma cultura da solidariedade. Este é o cerne das reflexões éticas e morais: a construção da humanidade.
Aos educadores comprometidos com a educação moral na construção da personalidade moral, promovendo a autonomia ética no exercício da cidadania, nossa gratidão e estima,
Celito Meier
Desde os anos 70, com a explosão das reflexões sobre a crise ecológica e demográfica, a fome e a miséria no mundo contrastando com a opulência e o desperdício de alguns, a guerra entre povos, o neonazismo e a discriminação das minorias, as políticas ditatoriais, a indústria da violência e das drogas, a banalização da vida em si, nasce a exigência explícita por uma reflexão ética abrangente, que possibilite a formação de uma consciência planetária.
A problemática da ética situa-se, hoje, inevitavelmente, na relação entre ciência, tecnologia e sustentabilidade, em decorrência do tipo de civilização que construímos. Assim, o lugar hermenêutico a partir de onde se pensa a ciência do ético hoje é o mundo profundamente marcado pela intervenção da ciência e da tecnologia modernas e das consequências daí surgidas para a vida no planeta.
A situação mundial exige uma macroética. É a humanidade inteira que precisa ser organizada em termos de responsabilidade solidária. O que não é nada fácil, principalmente com a mentalidade técnico-científica hoje difusa, que basicamente relegou a dimensão ética à esfera individual e privada, longe da racionalidade científica e tecnológica conduzida pelo princípio da máxima exploração. Nessa lógica, o que serve como referência para o convívio já não são normas tradicionais consensualmente construídas, mas valores instrumentais a partir da economia e do mercado, estabelecidos como fins.
A palavra "crise" transformou-se em categoria chave para designar nosso momento histórico. Vivemos numa sociedade marcada por profunda mudança na sua concepção de vida, de pessoa e cosmos. Cada vez mais se difunde a ideia do ser humano como indivíduo isolado que precisa correr atrás da satisfação de suas necessidades, fomentando uma ética individualista, antropocêntrica e utilitarista.
Se nos perguntarmos pelas razões da crise, cremos que algumas realidades se impõem imediatamente. Em termos de ecologia ambiental, a causa mais imediata da crise ecológica e do desequilíbrio do sistema-Terra é, seguramente, o modelo de desenvolvimento por nós construído. Efetivamente, há quatro séculos todas as sociedades mundiais são reféns de um mito: o mito do progresso e do crescimento ininterrupto e ilimitado.
Essa necessidade e imposição de um progresso ilimitado obedecem à lógica férrea da maximização dos benefícios com a minimização dos custos e do emprego do tempo. Em função deste objetivo, construiu-se uma máquina industrialista-produtivista avassaladora, de tecnologia poluidora, predatória, “energívora”, que necessita destruir para produzir energia, conforme nos lembra L. Boff, em suas obras Ética da vida e Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos.
Na atitude do homem moderno de estar sobre as coisas e sobre todo ser vivente reside o mecanismo fundamental de nossa atual crise civilizacional. Qual a suprema ironia atual? A vontade de tudo dominar está transformando-nos em seres dominados e submetidos aos imperativos de uma Terra degradada. A tendência que vai se impondo é a do relativismo ético e moral, na qual não pode haver critérios que ultrapassem a esfera particular. Como podemos, com essa mentalidade enfrentar os problemas e os desafios que hoje são planetários?
Sem a educação não haverá nova civilização. É preciso fortalecer um movimento emergente, um processo de mudança de paradigma. Essa mudança precisa ser dialética, vale dizer, assumir tudo o que é assimilável e benéfico do paradigma da modernidade e inseri-lo dentro de outro mais globalizante, ecologicamente integrador.
De onde nascerá esse modelo de desenvolvimento sustentável? Será preciso chegar ao fundo do posso para acordar? Ora, aceitar e querer um novo referencial implicará renúncias. Será que há ou haverá disposição de alma e de espírito para aprender a cuidar e a combater a mentalidade consumista? Que sinais vemos de estarmos entrando em uma nova tendência civilizacional? As formas como nossas crianças, adolescentes e jovens estão sendo educados, desde o ventre materno, passando pela família, pela escola, pela vida em sociedade sinaliza para essa mudança?
É preciso novo modelo educacional. E o modelo educacional estará a serviço da formação de um novo ser humano, de uma nova sociedade, de uma nova visão de desenvolvimento. Nenhuma ideia ou modelo de desenvolvimento é conceito neutro. Ao contrário, pressupôs uma visão de homem, de cultura, de história, de economia etc. Mas, esse novo ser humano capaz e desejoso de cuidar da vida em termos planetários, que terá que rever os critérios meramente econômicos e instrumentais, está de fato sendo desejado? Por quem?
Será que há sinais de que a nossa educação está caminhando na direção da construção de uma nova concepção de economia, na qual ela é vista como meio a serviço da defesa, preservação e cultivo da vida? Ou os critérios econômicos continuam sendo os critérios finais, como se a vida estivesse a serviço da economia?
Há sinais na dinâmica contemporânea da educação que alimentam a nossa esperança de que as crianças, os adolescentes e os jovens estão sendo educadas para conceber a terra como sistema vivo que necessita de cuidado? E qual é a força política dessa nova visão?
Não cabe mais nenhuma dúvida sobre o papel da educação para os atuais tempos de crise, que trazem em si as próprias exigências e sinalizações de saída. A educação ética, voltada para a defesa da vida, necessita estar na base da identificação de novas possibilidades sustentáveis de economia, de sociedade, de desenvolvimento. A partir dessa identificação, urge conscientizar e mobilizar as pessoas para o engajamento, a partir do núcleo familiar. Ou o começo estará na outra ponta?
Aos educadores que assumem a sua identidade como missão de lapidar a alma para a ética do cuidado, conscientes da necessidade de frear e canalizar a impulsividade humana para a sociabilidade e a promover a sustentabilidade das nossas formas de vida, em nome da salvaguarda e da garantia da possibilidade de vida saudável às gerações futuras,
nossa gratidão e estima,
Celito Meier
Muito se fala em competências e habilidades quando se fala em educação. E não poderia nem deveria ser diferente. Contudo, pouco se fala e menos ainda se faz em termos de aprendizado da competência social. Mas, quando falamos em competência social, do que estamos falando?
Inicialmente, é preciso resgatar a função primeira e a própria natureza da educação. Partimos do pressuposto de que o ser humano, naturalmente, não sabe conviver, não saber viver em comunidade. Para tanto, a educação, inicialmente na família e, progressivamente, de modo formal, nas escolas, tem a função do ensino e da aprendizagem da interação humana, da vivência de experiências socialmente significativas. Trata-se de possibilitar a formação do “eu” pessoal, na aprendizagem da interação com outro “eu” pessoal, na convivência social, educando a sensibilidade para a vida em sociedade. Nessa dinâmica, a interação social é a condição fundamental para a construção da pessoa humana, e não somente mero indivíduo.
Considerando as determinações da lei de Diretrizes e Bases da Educação, nacional temos como principio e fim da educação “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Antes mesmo da aprendizagem do patrimônio cognitivo da humanidade, preservado nas diversas culturas, a socialização é a base sobre a qual e partir da qual se constrói a identidade pessoal e cultural do ser humano.
Considerando as orientações da UNESCO para a educação, pensando no século XXI, encontramos quatro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. Infelizmente, a quase exclusividade dessas aprendizagens fica reduzida à cognitiva, com pequeno enfoque no aprender a fazer. Em relação ao aprender a conviver e ao aprender a ser ___ que em nosso entendimento deveriam ser os primeiros, ou a condição no interior da qual aconteceria a aprendizagem cognitiva ___ transformam-se em objetivos secundários, quando não são delegados para outras instancias educativas ou sociais.
A história da cultura ocidental, reconhecidamente marcada pela voracidade e agressividade de uma competição aniquiladora do outro, está repleta dos frutos da cultura do individualismo. E quando dizemos cultura do individualismo, estamos falando de uma civilização que praticamente nada faz contra essa tendência natural; mas, ao contrário, cria estratégias que a reforçam.
Nesse contexto, torna-se imperativa, portanto imprescindível, a aprendizagem da competência social, da capacidade desenvolvida de pensar no bem-comum, de estar afetiva e efetivamente vinculado aos interesses do corpo social. Ora, isso não é natural, nem espontâneo. Essa competência é aprendida. Contudo, se olharmos para as ações individuais, seremos capazes de verificar essa competência social?
A qualidade da presença cidadã do indivíduo é indicativa de sua competência social. Mas, se as escolas restringem basicamente seu foco a competências e habilidades de natureza cognitiva, como aprender a competência social? Não há outro caminho senão propiciar situações e vivências formadoras do espírito politico e de atitudes cidadãs, a partir de dentro de uma “escola sem muros” em relação à teia social.
A competência social se expressa em habilidades sociais perceptíveis e descritíveis em termos de interações construídas com seus pares, em uma variedade de contextos e situações. Considerando a necessária inserção sociocultural do educando e do educador, a competência social deve ser compreendida sob essa perspectiva sociocultural, que implica desenvolvida capacidade de solidariedade e de empatia, que se manifesta no saber conviver, respeitando pontos de vista divergentes, e se realiza através de razão dialógica, capaz de construir consensos.
Se essa competência é uma aprendizagem que o ser humano deve adquirir desde a mais tenra idade, é função primordial da escola e complexificar as experiências socializadoras, construindo também, especialmente, conteúdos atitudinais. Nesse sentido, inicialmente, a primeira orientação deve sinalizar para a presença do outro, para a dignidade da alteridade, em sua diversidade, para cuja presença a sensibilidade deve ser educada. Em segundo lugar, é preciso construir a dinâmica de ensino e aprendizagem sobre projetos que solicitem competências e habilidades relacionadas ao exercício da cidadania, a fim de resistir ao fluxo do individualismo natural e cultural.
Dessa forma, a função social do currículo deve sempre estar na mente da comunidade educativa, que compreende o ato de educar como a construção de uma ética ou ótica da corresponsabilidade social. Nessa ótica, o individuo passa a pensar como membro do corpo politico ou social, de onde brota a consciência de que da harmonia do corpo resulta o benefício do membro e de que, inversamente, da inescrupulosa busca pelo bem individual poderá resultar a desarmonia social, que será prejudicial também para o próprio membro.
A aprendizagem da competência social requer, inicialmente, o estudo dos problemas sociais, formando a imaginação sociológica, a visão sistêmica do tecido social. Dessa capacidade analítica desenvolvida, a comunidade educativa deverá fomentar um novo espírito, que considera a complexidade desse todo e aprende a reconhecer e a construir valores que promovam a qualidade de vida, em sociedade plural e inclusiva.
Aos educadores que colocam o currículo a serviço da construção da competência social dos seus alunos, nossa estima e gratidão.
Celito Meier
“Se os teus projetos forem para um ano, semeia o grão.
Se forem para dez anos, planta uma árvore.
Se forem para cem anos, educa o povo”.
(Provérbio chinês)
O que fazer quando as reformas na educação não promovem mobilidade social? É lugar comum falarmos que a erradicação ou redução da pobreza e da desigualdade de renda requerem revolução educacional e não somente reformas localizadas no Ensino Básico e nem somente garantir a universalização do acesso à educação formal, nem basta erradicar analfabetismo infantil. Não basta sequer ter um diploma. Por que isso não garante mobilidade social?
Como fazer para que a escola seja lugar e tempo que efetivamente prepare e antecipe a mobilidade social? A grande revolução, que passa pela democratização de uma educação de qualidade, deve ensinar a pensar, fomentar o pensar complexo, educar a sensibilidade para perceber e construir relações e, acima de tudo, ensinar a enfrentar e a resolver coletivamente situações-problema, que preparem e antecipem, enquanto proporcionem a vivência, para o mundo do trabalho e para o exercício da cidadania.
Ora, os dados de evasão, de repetência e de baixíssima qualidade do processo de ensino e aprendizagem ainda são alarmantes. Mais alarmante ainda é, muitas vezes, o resultado de aprovações automáticas, que não levam a sério a função educativa da escola. Muitas intervenções são feitas, praticamente todas pontuais, setoriais.
Com efeito, o problema da educação não é da educação, é muito mais politico, e se manifesta em seu vínculo vital ou fatal com a pobreza, a concentração de renda, a saúde ou a falta dela, o (des)emprego, a violência, a corrupção etc. Não cremos que seja falta de inteligência para ver que a questão é estrutural. O que se impõe, parece, é motivação política ou sua falta. O que faz um professor de uma escola vinculada à rede particular de ensino ganhar 5 ou 6 ou 7 ou 8 vezes mais do que o professor da rede pública? Ou o que faz uma escola pública oferecer significativamente carga horária anual muito inferior à oferecida na rede particular? O que faz liberar bilhões e trilhões para eventos pontuais, desviando o foco da revolução estrutural que o país necessita?
O imediatismo de quem quer ver a flor e o fruto em curto espaço de tempo revela pensamento superficial, inabilidade de ser radical e, se assim preferirmos falar, ausência de amor à república, apenas promoção de interesses individuais.
Para que verdadeiramente tenhamos uma democratização de educação cidadã de qualidade é imprescindível querer que isso se torne realidade. Esse querer revela o desejo, que deve ser expresso em projeto nacional, que demandará mobilização social e construção de estratégias, algumas de curto prazo, como garantir a universalização do acesso à educação formal, outras a médio e longo prazo.
Estamos conscientes e cotidianamente vemos que as novas demandas do mercado de trabalho requerem jovens e adultos altamente qualificados. E esta qualificação deve ser fomentada desde os primeiros anos do ensino fundamental, mediante processo de ensinar a pensar, a aprender, a fazer, a ser e a conviver. Isso, por sua vez, requer um processo de seleção de profissionais da educação, que, por sua vez, buscarão essa oportunidade se for promotora da dignidade humana desse profissional, em contexto cuja infra-estrutura seja instrumento favorável tanto ao processo de ensino e aprendizagem de qualidade, quanto da formação continuada desse educador.
Ao Brasil não faltam os recursos econômicos, não faltam inteligências, nem potencialidades humanas para assumirem a tarefa de serem educadores e que aceitam ser preparados para isso. Assim como os juros começam a ser reduzidos por uma iniciativa politica, que mobilizará a economia, da mesma forma, estamos excessivamente cansados de esperar uma iniciativa política de nossos representantes.
Considerando essa histórica espera, que pode ser bem descrita por passividade, de um lado, e oportunismo, de outro, urge a mobilização de ambas as partes para construirmos essa revolução estrutural.
Aos educadores e políticos que lutam incansavelmente no despertar e no alimentar sensibilidades e inteligências na direção dessa revolução, nossa estima e gratidão.
Celito Meier
“O que nos move não são os nossos pés, mas nossos afetos”. (Santo Agostinho)
Como o nosso filho e aluno pode aprender a gostar de algo, se não lhe for proporcionada uma vivência, uma experiência de contato com esse ideal para o qual queremos educar?
Considerando a educação como o progressivo e continuado lapidar a alma humana, desentranhando suas potencialidades, ela se torna a arte que passa, necessariamente, pelo afeto, por requerer a confiança entre educador e educando.
Inicialmente, a educação do afeto e das emoções precisa começar no seio familiar. A qualidade das relações que a criança e adolescente respira e vivencia na família é decisiva na orientação do seu afeto. Da mesma forma, a quantidade e a qualidade dos estímulos que a criança recebe tornam-se fundamentais na formação de sua personalidade. Da mesma forma, a natureza desses estímulos define desejos, aspirações e resistências.
Há muitas emoções e inclinações na alma humana que não são aceitáveis socialmente, uma vez que expressam a dimensão perversa da agressividade, ao mesmo tempo em que revelam individualismo, egocentrismo e busca desenfreada do princípio do prazer, incompatíveis com a vida em comunidade. Por isso, a presença dos pais deve atender a esse cuidado especial de canalizar as energias dos filhos para a qualidade das relações humanas. Infelizmente, a acentuada ausência dos pais nos anos iniciais da formação dos filhos deixa lacunas, que nenhuma instituição educativa supre, por melhor que seja.
A mediação dos pais na educação dos filhos costuma ser verificada em três direções: repressão, indiferença e diálogo. Entre a repressão autoritária das emoções dos filhos e a negligência ou indiferença dos pais está a arte da educação do afeto, através do diálogo transparente.
Entre as decorrências mais recorrentes, advindas da presença autoritária ou indiferente dos pais, estão os sentimentos de elevada ansiedade, de incompetência, que se traduzem no baixíssimo nível de aprendizado e de realizações e nos desvios comportamentais dos alunos, como atitudes de fechamento sobre si e de intolerância em relação aos demais. Formam-se pequenos ditadores.
Esses pequenos ditadores não acostumados aos limites da ética pública, do bem-comum, não se sentem afetados pela cultura da solidariedade, que lhes é insignificante. Fica muito mais difícil para a escola e os educadores do ensino básico proceder à necessária conversão afetiva para os princípios e valores da democracia participativa. De qualquer modo, não nos parece haver outro caminho mais indicado a não ser o de proporcionar vivências, situações que interpelem os alunos para a vivência de valores e formação de atitudes que demandam conversão afetiva.
Em contrapartida, outros trazem uma profunda vivência familiar de diálogo transparente, de colaboração, de respeito à alteridade que se traduz na afetiva e efetiva participação nos projetos sociais desenvolvidos pela comunidade educativa.
Em termos educativos, a visão ampliada de currículo integra a educação do afeto em suas dimensões intrapessoal e interpessoal, com a consciência de que a inteligência caminha de mãos dadas com o afeto. Por isso, a educação do afeto volta-se mais para o como pensar do que para o que pensar, uma vez que no horizonte e na forma de caminhar está o Estado Democrático de Direito.
Um processo verdadeiramente educativo é também marcado pela desconstrução, pela ruptura, pela descontinuidade, uma vez que é marcado pela promoção de um pensamento autônomo, critico e criativo. Assim, o cultural amadurecimento do educando solicitará a constante revisão e problematização de noções ou preconceitos herdados do senso comum. Dessa forma, educar para a progressiva maturidade afetiva revela-se condição necessária para a habilidade da resolução de problemas e de situações conflitivas.
Essa habilidade requer e manifesta saúde emocional e psíquica, lentamente gestada desde a infância, no seio familiar e na comunidade educativa mais ampla. Com efeito, qualquer pretensão de desenvolvimento humano saudável e sustentável necessita de sujeitos emocionalmente equilibrados, cognitivamente bem fundamentados e afetivamente vinculados ao bem-comum.
Aos educadores que manifestam compromisso com a educação da afetividade, na educação do desejo para o desejável, nossa estima e gratidão,
Celito Meier.
A beleza, a harmonia e os bons frutos de uma árvore estão relacionados às podas bem feitas.
Da mesma forma que é intrínseca ao rio a margem, que o restringe e, por isso, o faz caminhar na direção do mar, pertence à natureza da educação a construção de limites, com a consciente participação da criança, do adolescente e do jovem.
Quando dizemos consciente participação do educando estamos nos referindo à natureza do limite como autodeterminação. Não se trata de impor limites, embora em momentos preciso da vida isso seja necessário, mas de construir esses limites, uma vez que eles têm direta relação com o horizonte para o qual se quer caminhar.
Dessa forma, a consciente participação de todos os envolvidos no projeto educativo requer a ciência do projeto, a consciência da direção dos passos. A partir da construção do foco, naturalmente os limites virão. Em outros termos, na ausência do foco, não há limite. Quem está perdido, quem não sabe para onde vai, quem não sabe o que quer na vida e o que fazer da própria vida vive como uma folha seca caída da árvore, entregue às inconstâncias, às contradições e aos excessos das paixões humanas.
Dessa forma, pedagogicamente, a construção do limite vem acompanhada, quando não precedida, de um profundo trabalho motivacional, que solicita o engajamento existencial, afetivo e afetivo do educando num projeto de caminhada, por etapas.
Dizíamos, acima, que há momentos precisos na vida de nossos educandos nos quais é preciso impor limites, a partir de fora, do exterior, para evitar que a fúria da natureza tudo invada, inunde e destrua. Estamos plenamente conscientes de o quanto isso é fundamental, para garantir a própria sobrevivência da criança, do adolescente e do jovem. Considerando a natureza passional, impulsiva e agressiva do ser humano, o primeiro cuidado de quem ama o educando é estabelecer cercas, impor obrigações, até que a sua consciência desperte e vá revelando progressiva autonomia no caminhar psíquico.
Mergulhados nos estágios evolutivos da mente humana, pretendemos chegar à autonomia moral, à passagem da obrigação ao dever, à transição da imposição externa à interna, ao estágio no qual o limite seja querido, estimado, buscado como consciência, liberdade e responsabilidade pelo próprio educando, em suas interações.
Nesse processo de amadurecimento, o educando será conduzido na aprendizagem da administração consciente e responsável de seu próprio tempo. Isso implica educação ou canalização do seu desejo, de sua energia vital, na direção da meta almejada.
Portanto, o limite se transforma em sinônimo de disciplina, entendida como autodeterminação. Entre os primeiros frutos dessa nova dinâmica estão a crescente confiança e autoestima ao ver acontecer, de forma até rápida, aquilo que julgava muito difícil ou praticamente impossível. Descobre que o que era julgado impossível se devia ao fato da ausência de foco na vida.
Aos educadores, que assumem com serenidade e confiança o longo trabalho de fomentar a aprendizagem da disciplina, ao possibilitar aos educandos o caminhar na direção do horizonte escolhido, nossa estima e gratidão,
Celito Meier
Entre forçar e abandonar o educando a si, há um longo caminho de motivação e conquista do afeto para a percepção da necessidade e para o despertar do desejo de lapidação do seu próprio ser.
Não raro, ouvimos de colegas professores expressões similares a estas: “este aluno não quer nada com nada”; “não sei o que ele veio fazer aqui”; “ele vive nas nuvens”; “o negócio dele é outro”; “já vi este filme antes: é reprovação caminhando a passos largos” etc. Talvez o colega professor não esteja errado. Provavelmente, a sua percepção tem uma base empírica.
Ora, quem diz que o ser humano, naturalmente, deseja sair da zona de conforto? Quem pode afirmar que a alma humana deseja ardentemente ser lapidada e aprender a lutar contra impulsos naturais? Quem garante que a sala de aula e o processo educativo devem ser lugar e tempo de prazer continuado e de constante contentamento?
Basta olhar para nossa própria constituição humana, para a força ou fraqueza de nossa determinação em perseguir o que pretendemos, se é que sabemos o que queremos, ou, basta olhar para os nossos filhos para, então, percebermos que o ato de educar ou de deixar-se conduzir e participar ativamente da construção da própria personalidade não é processo fácil.
O que fazer diante das constatações e das percepções que parecem sinalizar para a ausência do desejo da aprendizagem formal? A primeira tentação costuma caminhar na direção de um dos dois extremos: ou do excesso ou da falta, que acabam implicando um no outro. Ou seja, ao impor sobre todos os alunos, com todo o rigor possível, o melhor programa que pensamos para eles e os submetemos ao nosso ritmo e ao nosso tempo, acabamos, também, por abandonar o aluno a si, deixando-o na natural passividade e jogando sobre ele toda a responsabilidade pelo destino “que o aguarda”.
A sabedoria de educador se realiza evitando esses extremos. A alma de educador, lapidada no caminhar, aprendeu que todo conteúdo pode ser muito bem construído, integrando afeto e disciplina. O primeiro desafio para o educador, seguramente, é fazer-se próximo e trazer o conteúdo a ser construído para a zona de desenvolvimento proximal do aluno, para usar expressão e reflexão de Vygotsky.
Muitas vezes, a maior dificuldade para o aluno relaciona-se às imagens preconcebidas, aos preconceitos construídos na dinâmica escolar ou familiar que inibem a confiança em si, e obscurecem a visão do potencial.
Nesse sentido, inicialmente, o educador deve consagrar-se a alimentar a esperança do educando, sinalizando para as possibilidades e desafiando-o para a constante superação de si. A partir disso, o maior trabalho do educador consistirá em promover intervenções para redirecionar e aprofundar o processo de ensino e aprendizagem, em sintonia com os passos dados pelo educando.
Por isso, o mais importante é fazer com que o aluno se mobilize na prática pedagógica, a partir da consciência de seu potencial e da confiança em seu próprio poder de permanente superação. Esse processo de sedução do aluno passa por um fazer pedagógico que o interpela continuamente a posicionar-se.
Essa dinâmica traz implicações pedagógicas para o cotidiano das nossas aulas. A primeira implicação óbvia e necessária solicita a interrupção de uma prática comum, ainda estruturada sobre uma concepção centrada no professor, segundo a qual o “professor deve dar aula” e os alunos devem passar uma aula inteira “ouvindo o mestre”. Esse tipo de postura pedagógica costuma aumentar a distancia do aluno em relação à necessária atitude de envolvimento afetivo, do qual resulta aprendizagem significativa.
Aos mestres que aprenderam a ressituar-se no processo, interpelando afetivamente o aluno para a construção do conhecimento, ao aprenderem a conhecer, a fazer, a ser e a conviver,
com estima,
Celito Meier
A combinação do crescimento econômico em termos globais com o crescimento populacional e, acima de tudo, com o contemporâneo espírito de consumo desenfreado aumenta a pressão sobre os ecossistemas já deteriorados. Há 20 anos, desde a Rio-92, por ocasião do encontro da Cúpula da Terra, ficou decidido que o moderno paradigma econômico, energívoro e destruidor da biodiversidade, teria que ser urgentemente superado em nome de um novo paradigma, denominado “desenvolvimento sustentável”.
O que foi feito? A situação se agravou enormemente. Efetivamente, parece que a força mobilizadora do medo é maior que o da convicção teórica. Parece que ainda não chegamos ao fundo do posso. Parece que o medo da morte da possibilidade da própria continuação da vida ainda não está muito presente. Infelizmente, o que rege a mente humana ainda não é a ética do cuidado, a espiritualidade da comunhão, a ótica da complexidade e da responsabilidade social e ambiental.
Estamos às portas da Rio + 20, alimentando as reflexões sobre a necessidade de economia verde para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Embora qualquer decisão que venha a ser tomada já se encontre em absoluto descompasso com o que o planeta exige, é mais uma oportunidade que a humanidade tem para acordar. Já nos tornamos vítimas das mudanças climáticas provocadas por nossas próprias mãos, por meio de nossos modelos de desenvolvimento e de sociedade. Antes de morrermos, contudo, deveríamos, por uma questão de responsabilidade, garantir a vida para os demais seres, que aqui viviam muito antes de nós e que o direito de continuar a existir em um ambiente reequilibrado.
Aos meus colegas educadores, o mais imediato e próximo que devemos fazer é colocar o nosso currículo, o nosso conteúdo programático como meio a serviço da formação de uma nova consciência, ao construirmos competências e habilidades absolutamente vinculadas à ética da defesa da vida. De que vale um currículo ou um programa de ensino por si mesmo? É muito medíocre a nossa atitude ao dizer: “preciso correr para cumprir o programa”. Um programa que se transformou em fim/finalidade transformou todo resto em meio, em instrumento, quando ele deveria mesmo é que deveria ser o instrumento.
Que o contexto da Rio + 20 seja momento propício para revermos nossa prática pedagógica e para iniciarmos o processo de libertação da educação para a sua verdadeira finalidade, da educação da alma humana para a coexistência harmoniosa com as demais formas de vida. Com isso, a finalidade da educação deve estar muito longe de preparar para o mercado, embora o mercado comece a olhar para a sustentabilidade como critério de seleção de investimentos. A educação não deve ser refém de projetos econômicos, desenvolvimentistas, políticos partidários.
O foco da educação deve ser o próprio ser humano, em seu necessário processo de humanização. Quando os humanos estiverem mais humanizados, quando souberem ser senhores de seus próprios impulsos e manifestarem, efetivamente, competências e habilidades relacionadas com o domínio de suas paixões e se revelarem capazes de orientar suas energias psíquicas para a preservação da vida, então sim, a educação estará cumprindo sua missão essencial.
A educação da consciência ecológica consiste na aprendizagem da ética do cuidado com as nossas casas, desde a nossa primeira infância. As nossas casas são o ecossistema, a cidade, o nosso corpo físico, a nossa mente. Em todas essas casas é preciso aprender a exercer o cuidado, a preservação, o verdadeiro investimento que promove a harmonia do todo.
Aos professores que se tornam mestres nessa difícil arte de lapidação da alma humana, na educação da sensibilidade humana para o espírito da comunhão, na construção de uma cultura da solidariedade, nossa estima e gratidão.
Celito Meier
Partindo do princípio de que a educação é uma instituição cultural a serviço da humanização do animal homem, ao atualizar as suas potencialidades, cabe aqui uma reflexão sobre a necessidade de desfazer um equívoco muito comum em práticas escolares e desafiar os educadores para uma reorientação fundamental em seu fazer pedagógico.
Estamos nos referindo ao equívoco de organizar as aulas em função de um conteúdo programático. Nos planejamentos periódicos, o que mais se verifica é a redistribuição das aulas em conformidade com um programa previamente estabelecido e reproduzido ano após ano. Essa prática é muito comum, quando programa e currículo são concebidos como o fim da nossa atividade escolar, na qual todos, alunos e professores, estão em função de um programa a ser cumprido.
Ora, teoricamente, parece não haver dúvidas de que o fim da educação está relacionado à formação de habilidades e competências vinculadas ao ser, ao fazer, ao conhecer e ao conviver. Essa visão teórica precisa amadurecer para a convicção e atualizar-se numa verdadeira revolução na prática pedagógica.
Pensemos, portanto, no currículo e no conteúdo como meios. Mas, qual é o fim pretendido? Ou melhor, quais são os fins almejados? Vamos sinalizar, agora, para algumas dessas finalidades.
Inicialmente, aproveitando o contexto da Rio +20, o currículo deve estar a serviço da formação de uma nova inteligência, inteligência da complexidade, promovendo a educação no interior de um novo paradigma, da sustentabilidade. Assim sendo, a tarefa do educador será reorganizar o seu programa, renová-lo, transformá-lo, para que seja instrumento a serviço desse fim. Assim, a pergunta que deveremos nos fazer: o que há no conteúdo programático com o qual trabalho que favorece para esse fim? O que nele falta? Como posso trabalha-lo nessa pretendida direção?
Em segundo lugar, não nessa ordem, o currículo deve estar a serviço da aprendizagem da leitura de mundo. A pergunta se impõe: como posso fazer para que o atual conteúdo programático e o currículo escolar ajudem os alunos a construírem uma visão sistêmica do mundo no qual vivem? Nesse sentido, há muita coisa no currículo que deve ser reorientada e algumas aulas conteudistas, inclusive, podem ser suprimidas, pois fazem depender do professor algo absolutamente trabalhável pelo aluno em outra dinâmica. É preciso aprender a reconhecer e a fomentar a responsabilidade dos alunos como sujeitos e protagonistas de sua educação, em diálogo investigativo.
Essa consciência da função social do currículo solicita dos mestres um trabalho continuado de revisão e reatualização curricular. Isso implica uma escola reflexiva, com professores reflexivos, de cuja prática, também reflexiva, formar-se-ão alunos reflexivos.
Em terceiro lugar, não nessa ordem, a grade curricular, o conteúdo programático específico e a presença do mestre em sala de aula devem estar a serviço da formação da autonomia intelectual e ética do aluno. Urge a tomada de consciência do corpo diretivo dos centros educativos e de toda a comunidade educativa de que o foco deve estar na educação da alma humana de nossos filhos e alunos para as exigências da convivência humana, para a instauração de um estado democrático de direito, para uma atuação responsável na preservação e no cuidado com a biodiversidade.
Dessa convicção, por uma questão de coerência, que decorrências se impõem? Seguramente, a maior delas é fazer os nossos filhos/alunos trabalharem de forma séria, profunda e sistemática, em diálogo com os demais parceiros, que formam uma verdadeira comunidade de investigação, engajada afetiva e efetivamente com a construção de formas de organização social, politica e cultural que traduzam a ética do cuidado em seu viver cotidiano.
Na proporção em que nosso fazer pedagógico se converte para esses fins, renasce a autentica alegria do educador e realiza-se o autentico ato de educar.
Aos mestres engajados nessa conversão, com estima e gratidão,
Celito Meier
Nenhum educador, verdadeiramente comprometido com a arte da educação, tem dúvida em relação ao seu objetivo: a formação de alunos hábeis e competentes para assumirem os desafios que a vida contemporânea em sociedade nos apresenta.
Nessa lógica, Educação e Desenvolvimento Sustentável (EDS) deve passar a integrar o currículo das escolas, desde os primeiros anos do ensino básico, uma vez que os maiores desafios que a vida hoje nos apresenta requerem o paradigma da sustentabilidade.
Quando pensamos e afirmamos a necessidade da reorganização curricular na convergência para a construção da competência em sustentabilidade, de professores e de alunos, não estamos apenas nos referindo às discussões em sala sobre mudanças climáticas, suas causas e seus efeitos, sobre a necessidade de redução na emissão de gazes poluentes, sobre as formas de redução da violência e dos crimes sociais, sobre a erradicação da pobreza etc.
Certamente esse é e será um dos passos iniciais imprescindíveis. Mas, com ele muitos outros terão que ser dados em nossas escolas se, verdadeiramente, quisermos educar professores e alunos com habilidades e competências relacionadas à sustentabilidade.
Com efeito, habilidades e competências referem-se à aplicação, à transposição da teoria à prática, requerem a mobilização de esquemas mentais apreendidos e verificados na resolução de situações conflitivas.
Isso requer projetos ecopedagógicos de natureza integral, que possibilitarão aos professores e aos alunos, em sua vivência prática, na família e na comunidade, a partir da escola, a manifestação concreta dessas habilidades e competências construídas.
Ora, o que será preciso para que eu, aluno ou professor, em minha vida pessoal, aprenda e deseje efetivamente colaborar na redução da emissão individual de carbono, por exemplo? Que inciativas locais podem e devem ser realizadas, urgentemente? Que estratégias devem ser colocadas em prática para garantir a sustentabilidade ecológica, ambiental, social, humana e mental?
O currículo deve ser meio através do qual a comunidade educativa, família e escola, forma seus filhos e alunos para a aprendizagem e para a vivência do principio da sustentabilidade. Isso requer projetos integrados nos quais a escola é, simultaneamente, tanto tempo e espaço de fundamentação teórica quanto ensaio concreto de alternativas viáveis para a sustentabilidade.
Com isso, antevemos nova organização da dinâmica escolar. É será possível essa revolução na sustentabilidade fora do âmbito da educação? Talvez a educação não seja suficiente, uma vez que sempre estamos e somos mergulhados no mistério da liberdade humana. O que fazer se alguém não desejar fazer parte dessa reorganização da vida social? Quando a educação não foi suficiente para despertar a consciência para o dever, deve imperar a obrigatoriedade legal, com prescrições e interdito. Isso nos revela que as mudanças também chegarão à esfera do direito, esse caminho tortuoso na direção da Justiça. E a justiça, hoje, passa a exigir a sustentabilidade.
Aos educadores sensibilizados e motivados para inaugurarem e/ou fortalecerem essa nova dinâmica na vida escolar, com gratidão e estima,
Celito Meier
O terreno da educação é o do cultivo da potencialidade humana para o convívio em sociedade. E aprender a conviver é um dos 4 pilares fundamentais estabelecidos pela UNESCO para a educação do século XXI, além dos pilares do aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser.
O foco de nossa reflexão de hoje é a construção do espírito que se faz necessário para a convivência em sociedade. Por isso, o tema da educação do espirito republicano e democrático.
Concebemos a democracia como o regime político no qual a soberania é do conjunto dos cidadãos. Por isso, o poder é ou deve ser exercido em público, de modo relacional, aberto e transparente. E por República entendemos a forma de governo na qual o espírito presente traz a marca da responsabilidade na defesa do interesse público, combatendo a corrupção e outras formas de desvios.
Historicamente, a democracia sempre teve relação com o governo “dos muitos”, da massa. Ou seja, o critério está vinculado ao quantitativo. Assim, era possível ter quantidade sem qualidade; em outros termos, a democracia não é a mesma coisa que república. Aliás, em nome da republica, em nome do governo de cidadãos virtuosos, a democracia foi vista, desde a Grécia Antiga até o século XIX, como ameaça e corrupção da república. E isso se explica pelo desejo que move a massa, composta por indivíduos que não tem no horizonte de seu desejo mais próximo a busca do interesse coletivo, apenas individual.
A consciência dessa singularidade humana passional é fundamental no ato de educar. Em função dessa percepção, é preciso buscar a articulação entre a forma de Estado e a forma de Governo, entre o regime democrático e a república, pois dessa união poderá nascer a melhor tradução histórica para a efetiva integração entre direitos individuais e Estado de bem estar social.
Ora, isso implica aprendizagem, por parte de todos, de frearem seus desejos individuais e os canalizarem na direção da vida social, para o reconhecimento da igualdade fundamental de todos. Por isso, a democracia é verdadeiramente realizável somente na república, pois na república o tema da virtude é tema central, e por virtude entendemos essa habilidade de ser senhor das próprias paixões, habilidade e autodomínio, tendo em vista a convivência social.
Dessa forma, na relação entre democracia e república encontramos a tensão entre o desejo de liberdade e de posses individuais e o reconhecimento da liberdade do outro e dos direitos do outro. Em decorrência da união dessas consciências, o amadurecimento da democracia implica a aprendizagem do espírito republicano. E quanto mais a forma de governar for republicana, marcada pela excelência politica ou pela virtude politica de governantes e governados, de toda a sociedade politica, mais o Estado se tornará verdadeiramente democrático. Esse será um longo caminhar de aprendizagem democrática, mediante o cultivo do espírito republicano.
Portanto, democracia e república devem andar de mãos dadas, uma necessitando da outra. A República precisa da democracia, pois sua legitimidade de coisa pública só acontecerá com a efetiva participação dos cidadãos. E a democracia precisa da república, pois o espírito republicano ajudará a democracia a se consolidar como Estado de Direito.
Na emergência dessa nova consciência está o potencial revolucionário da democracia, que a transforma no regime politico mais aberto e capaz de promover graduais e silenciosas revoluções no seio da sociedade, sem a necessidade do recurso à violência, como muito bem reflete Karl Popper quando analisa a democracia como sociedade aberta.
O espírito republicano traz como diferencial a consciência de pertencimento, a concepção que o todo é mais do que a soma das partes. A consciência desse pertencimento suscita no cidadão o dever de comprometer sua vida na construção desse todo. Para muitos, participar da democracia é ainda uma obrigação, uma exigência externa, pois neles ainda não nasceu a consciência para a plural unidade do corpo politico. Caminhar da obrigação para o dever, da obediência externa à mobilização por convicção pessoal é o duradouro e permanente desafio que se coloca para uma educação verdadeiramente democrática e republicana.
Aos mestres que cotidianamente se aprimoram na arte de lapidar o espírito para a aprendizagem de relações inclusivas,
Com estima e gratidão,
Celito Meier
Mentes minimamente esclarecidas ou com visão mediana sabem que o caminho para a realização da matriz da sustentabilidade, em todos os âmbitos de expressão, passa por uma revolução na educação através de uma conversão política para a educação.
Quem acompanha o dia-a-dia do professor tem ciência do abandono no qual ele se encontra. Parece haver um inconsciente coletivo dominando as mentes dos ideólogos da educação, em conformidade com o qual o professor chega pronto às escolas, e pronto de uma vez para sempre.
O professor deve ser um profissional competente em formar profissionais competentes e hábeis. Mas ele mesmo está condenado ao isolamento, ao heroísmo das livres iniciativas, sem o espaço institucionalizado para o estudo, para a socialização, para a construção de projetos verdadeiramente educativos, formadores de competências pessoais e sociais.
Um olhar para o caso brasileiro, a partir das intervenções dos órgãos oficiais, faz-nos antever universidades públicas caminhando para o atual ensino médio público abandonado. Ao acompanhar as decisões de Brasília sobre esse setor, defendido teoricamente como essencial, vemos o governo repassando substanciais verbas, bilhões de reais, para instituições particulares de ensino inadimplentes, dívida por não pagamento dos impostos. Virou negócio não pagar, tornou-se mais lucrativo, uma vez que a contrapartida deve ser não a melhoria do sistema de ensino, mas a concessão de bolsas para o ProUni.
Parece que a revolução na educação consiste em trazer a universidade para onde as pessoas se encontram, torna-la mais acessível. Assim, lava-se a consciência e as mãos em relação à histórica dívida do Estado brasileiro com os seus filhos, da Pátria Amada abandonados.
Seguramente o pacto pela educação que necessitamos está muito longe disso. Ora, ações afirmativas sem políticas afirmativas condenam-nos a perpetuar “ações afirmativas”, que em curto espaço de tempo aumentam os números, impressionam olhares superficiais, fazem ganhar eleições; mas, no percurso da história, tornam-se “ações negativas”, irresponsáveis, pois acabam por exigir que as universidades façam o papel de alfabetizadoras.
Assusta-nos essa absoluta falta de exigências com a excelência, com o rigor intelectual, com o incentivo em tecnologias e metodologias científicas condizentes com a formação das competências e habilidades que as pessoas verdadeiramente precisam para pensar a sustentabilidade da vida.
O caso brasileiro, marcado pela redução do ensino superior ao médio, verifica-se expressamente no significativo abandono vivenciado pelo professor do ensino médio. O ensino médio acaba tendo como função consolidar os fundamentos, o fundamental I e II. Há uma absoluta falta de identidade no Ensino Médio. As inteligências, agora capazes de abstração, de elaboração de hipóteses, estão anestesiadas por processos meramente informativos e evocativos.
E essa ausência de professores reflexivos, competentes e hábeis em provocar conflitos intelectuais deve-se a quê? A quem? É muito fácil reforçar o discurso neoliberal, absolutamente conservador da situação, ao dizer que o professor precisa cuidar de sua formação continuada, que ele deve correr atrás da melhoria de sua titulação, deve aprimorar-se.
Ao pensarmos assim, não haverá jamais pacto pela educação, apenas a instrumentalização da educação, o uso da educação para perpetuar políticas que tem validade para prazo imediato, já em vencimento. Há aqui um círculo vicioso que agrada muito a alguns. Ao não termos investido em educação no passado é que se torna possível, hoje, permanecer com uma maquiagem sem que as pessoas percebam a maquiagem, sem a ciência de que há algo por debaixo dessa capa.
Essa perversa estratégia de abandonar o profissional da educação a si mesmo está dando os frutos que interessam e atendem a quem faz da administração pública um caso de privatização inescrupulosa. E é a nossa passividade de cidadãos, ao não exercermos a titularidade da soberania, que alimenta essa corrupção visceral. O perfil de nossa atual crise na democracia representativa clama por democracia participativa, clama pela soberania do povo-cidadão.
E o que fazer para que num horizonte as luzes possam aparecer? Entre as medidas necessárias destacamos três. Incialmente, é preciso que haja profissionais da educação, e não ideólogos neoliberais do legislativo brasileiro, que pensem uma politica afirmativa da educação, que pensem um projeto de educação num processo de pelo menos 25 anos. Isso requer outros homens públicos, de espirito republicano.
Em segundo passo é colocar a economia, o orçamento a serviço da educação do povo, que irá formar a nação. Altos investimentos acompanhados de efetiva fiscalização são a nossa comprovada deficiência histórica. Recursos econômicos há, e não será o investimento em educação que irá “quebrar o Estado”. O que quebra o Estado é a corrupção alimentada em seu próprio seio, em suas múltiplas formas.
Em terceiro lugar, urge institucionalizar e formalizar os tempos e os espaços para que os profissionais da educação possam aprimorar-se, em suas unidades ou centros educativos, na arte da educação. É preciso cuidar da formação continuada, da aprendizagem do ofício da docência, da aprendizagem das metodologias que verdadeiramente contribuem para a construção de alunos competentes.
Mas, isso requer professores competentes. E professores competentes são tudo o que as nossas universidades não estão formando. E, aliás, talvez nunca tenham essa condição histórica e nem devam ter essa atribuição. As universidades necessitam dos investimentos e da fiscalização sobre a aplicação dos recursos, para que tenham as condições físicas e humanas de proporcionar excelência acadêmica, rigor conceitual, fundamentação teórica e metodológica. A competência da docência deve ser incentivada, cultivada no próprio fazer, no próprio caminhar da aprendizagem da docência, por essa segunda medida que acabamos de mencionar.
Aos mestres da educação e aos professores profissionais que buscam reconhecimento e inserção num projeto que pense a nação, nossa estima e gratidão,
Celito Meier
Enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao conhecimento da história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no País.
A realidade cultural brasileira é marcada por uma pluralidade étnica. Por isso, podemos falar em cultura brasileira no plural, usando a expressão “culturas brasileiras”, pois há mais um jeito de ser brasileiro que foi cultivado. As múltiplas dimensões que constituem a cultura brasileira, decorrentes de nosso processo histórico-social alimentam-se em um território com dimensões continentais.
O forte processo colonizador que marca a nossa historia, com a imposição de uma cultura de matriz europeia, não conseguiu destruir as etnias indígenas e africanas. Embora resistentes e sobreviventes, a população negra ___ que de acordo com o Censo do IBGE, de 2011, é de 96, 7 milhões, o equivalente a 50,7% da população brasileira ___ permanece às margens ou na periferia do acesso aos direitos sociais, em termos genéricos.
Apesar das politicas afirmativas adotadas pelas universidades brasileiras para ampliar o acesso da população negra ao ensino superior, 123 anos depois da Abolição da Escravatura permanece o hiato em relação à população branca. Os dados mais recentes do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que entre 1997 e 2007 o acesso dos negros ao ensino superior cresceu, mas continua sendo a metade do verificado entre os brancos. [...]. O último censo do IBGE aponta que, entre os 14 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que são analfabetos, 30% são brancos e 70% são pretos ou pardos.
Por isso, para compreender a nosso processo histórico e social é preciso sempre voltar-se às políticas adotadas pelo Estado brasileiro que, no passado, tem sido de favorecimento e de concessão de privilégios aos brancos, descendentes europeus. Essa história nos abre os olhos para a necessidade de uma nova e diferenciada politica de Estado, que contemple a inclusão dos negros no processo educacional do país.
A realidade de nossas escolas e a do acesso à qualidade do ensino e aprendizagem nos mostra que essa dívida social e étnica continua muito alta. E, para que possamos compreender a natureza complexa dessa dívida, um dos dados que chama muita atenção no ensino formal da história do país aponta os heróis nacionais como sendo, normalmente, homens brancos, exercendo explícita exclusão à participação das minorias étnicas, muito atuantes desde a invasão de 1500, lutando contra o genocídio e o etnocídio aqui praticados. Uma triste e desumana realidade pinta com sangue esse quadro. A população indígena era cerca de 5 milhões na época da invasão que, vista pela ótica eurocêntrica, vem denominada de descobrimento. Hoje, essa população está em torno dos 350 mil índios. Esse genocídio seguido da exclusão dos sobreviventes é marca que não se apaga e que jamais se deve esquecer na formação da nossa nação.
Em verdade, quem efetivamente construiu a nossa história permanece dela excluída. Com esse exemplo, queremos expressar, aqui, que um olhar para o interior da dinâmica escolar nos revela que não somente há uma complexa dívida étnica quanto ainda é alimentada em nossas escolas pela sistemática ausência da reflexão critica sobre sua identidade. As referências étnicas feitas muitas vezes não passam de referências folclóricas.
A evasão escolar dos alunos afrodescendentes pode também ser vista, em sua complexidade, através desse olhar sobre uma escola que nada tem a ver com sua cultura. Essa ausência de um profundo e justo olhar sobre a diversidade étnico-cultural que constitui nossa identidade reforma a matriz eurocêntrica dominante em nosso processo educacional, desde o currículo à formação de nossos professores, passando pelos livros didáticos.
Graças aos novos atores sociais que emergem dos movimentos indigenista e negro, a democracia brasileira vem adquirindo traços mais participativos. Com as lutas sociais contra a exclusão, reivindicando reconhecimento e inclusão no acesso aos bens e serviços da sociedade, a diversidade étnica passa a ser contemplada nas políticas de Estado. Essas iniciativas populares são a alma de toda verdadeira revolução.
Portanto, se quisermos construir uma história que tenha verdadeiramente a nossa cara, é preciso que a nossa plurietnicidade se manifeste e participe. Mas, para tanto, ela precisa ser acolhida no processo educacional e ter seus direitos sociais respeitados e promovidos.
Convocamos os amantes e compromissados com a causa da educação para a cidadania, em perspectivas multi e intercultural, para organizarmos os esforços na construção do revigoramento das identidades plurais que formam o nosso povo. Assim, poderemos mergulhar no interior de uma escola verdadeiramente plural, que atenda às exigências da cidadania contemporânea, que solicita a efetiva participação dos diferentes atores sociais na transformação de nossa realidade para o horizonte do estado democrático de Direito.
Abraço a todos,
Celito Meier
Muitas vezes, no senso comum, fala-se em cultura brasileira como se houvesse uma única cultura, no singular. Essa ideia é resultante de um processo de homogeneização, de unificação cultural, que, na prática, significa imposição de uma cultura sobre outras expressões culturais. Nessa visão não problematizadora, haveria uma nação brasileira com uma identidade étnica nacional, o que pode traduzir esquecimento, indiferença ou exclusão do outro.
Na construção dessa identidade única, a educação foi usada como instrumento através do qual se buscou implantar uma padronização cultural e reproduzi-la de geração em geração. Uma das formas usadas para fazer isso foi a maneira de ensinar a língua oficial. Nesse ensino, muitas vezes, as diferenças regionais eram ridicularizadas e concebidas como formas inferiores e deterioradas de expressão. Outra forma de desprezo pelo diferente aconteceu no olhar reducionista sobre formas culturais regionais, folclorizadas. Nasce uma ideia de folclore como algo não sério, engraçado, divertido. Essa atitude etnocêntrica, de matriz eurocêntrica, gerou minorias étnicas, grupos que sofreram histórica exclusão de seus direitos, especialmente sociais.
O desafio para a educação é a construção de uma concepção na qual a unidade seja concebida como plural. O enfoque nessa pluralidade ou interculturalidade do povo brasileiro enfatiza a relação, o intercambio de visões de mundo que formam a unidade da nação. Educar para a multiculturalidade e para o diálogo intercultural torna-se compromisso fundamental de todo projeto educativo, especialmente em contexto brasileiro.
Esse reconhecimento da diversidade étnica deve vir acompanhado da consciência da produção do desigual acesso aos bens e aos recursos que acontece entre as diferentes etnias. Contudo, não foi isso que aconteceu no passado. A escola, inserida nesse contexto de desigualdade sociocultural, tem servido para fortalecer e perpetuar um padrão predominante de cultura, em detrimento de outras expressões.
Assim, uma das funções da escola consistia na reprodução de um modelo ideal de vida e de cultura, que os alunos passavam a assimilar. Nessa visão, o aluno não tem cultura, está carente de cultura. Nesse enfoque tradicional, a escola deverá suprir essa carência de cultura que caracteriza o aluno. Estamos diante de um olhar etnocêntrico, no qual o enfoque do observador funciona como a referência do melhor. Aqui, a escola transmite os valores culturais dominantes, seu padrão linguístico, sua leitura de mundo, sem considerar a singularidade do aluno, sua procedência, seus valores, sua visão de mundo e suas formas de expressão. Nessa perspectiva, problemas de rendimento serão problemas do aluno, que não apresenta predisposições para a aprendizagem, por ser rude.
Progressivamente, a partir das lutas de resistência das minorias étnicas, especialmente negra e indígena, a democracia brasileira vem adquirindo traços mais participativos. Com as lutas sociais contra a exclusão, reivindicando reconhecimento e inclusão no acesso aos bens e serviços da sociedade, a diversidade étnica passa a ser contemplada nas políticas de Estado.
Essas iniciativas populares são a alma de toda verdadeira revolução. E a educação escolar sentirá a mudança de perspectiva. A educação escolar vai alargando o seu olhar para a diversidade cultural com uma abordagem de reconhecimento e de tolerância da diversidade, aceitando inclusive currículos multiculturais. A partir dessa abertura de olhar, o desafio para a educação é desenvolver uma perspectiva intercultural crítica, que fomente a representatividade de grupos étnico-culturais em currículos que contemplem a interculturalidade, a multietnicidade. Nessa perspectiva crítica, cada tradição étnica é portadora de cultura, que merece ser acolhida, respeitada e defendida.
Aos educadores que educam na diversidade cultural, no fomento do olhar dos alunos para a singularidade das diversas contribuições culturais e atuando no cultivo do diálogo interétnico, nossa gratidão e estima,
Celito Meier
Max Weber (1864-1920), um dos fundadores da sociologia, realiza uma distinção que se torna muito útil e esclarecedora nessa reta final do presente estudo.
Ele distingue duas modalidades de ética, de ótica, de forma de ver as coisas. Inicialmente, ele identifica a “ética da atitude”, que forma uma moralidade fundada sobre princípios absolutizados. Se essa ética tem seus valores ele é também muito perigosa, podendo ser inclusive irresponsável, por não considerar as decorrências possíveis de certos princípios aplicados cegamente.
Contra essa ética, Max Weber apresenta a “ética da responsabilidade”, construída com base na consideração das possíveis decorrências das ações humanas. Essa ética da responsabilidade foi brilhantemente desenvolvida por Hans Jonas (1903-1993), especialmente em seu libro O princípio da Responsabilidade, de 1979.
Hans Jonas refletiu muito sobre as tendências relativistas e niilistas presentes na cultura ocidental moderna e contemporânea, frutos de um paradigma econômico que tudo invade, de forma totalitária. Com a expressão “Prometeu irresistivelmente descontrolado”, Jonas se refere à ciência e à tecnologia modernas, subordinadas ao projeto da exploração infinita, expressão do mito do progresso linear infinito, construído sobre o pressuposto de que os recursos naturais são infinitos.
Esse poder infinito da razão, usado na contramão da humanização do ser humano, tudo transforma em recurso de exploração, inclusive o humano e a cultura do outro. Essa perversidade precisa ser combatida. E qual é a indicação de caminho possível para reverter essa tendência de destruição em massa?
Hans Jonas salienta, contra o imediatismo das culturas moderna e contemporânea, a necessidade de aprender a pensar nos efeitos que nossas ações trarão para as gerações que ainda não nasceram. Essa aprendizagem de um pensamento consequente torna-se fundamental.
Portanto, a ética da responsabilidade pelos efeitos de nossas ações deve ser assimilada como valor. Se, inicialmente, não tivermos a maturidade para escolher com convicção, autonomia e consciência esse critério da permanência da vida para as gerações futuras, que seja, então, o medo da morte imediata que nos faça mudar de postura.
Em outras palavras, muitas vezes fazemos as coisas não por convicção, mas por medo. Embora não seja o ideal, pode ser assim aceito como ponto de partida, que rompe com a indiferença. Por exemplo, diante da fome e da miséria, pensando na possibilidade de ela se voltar contra nós mesmos, tentaremos fazer algo para acabar com ela.
Contudo, com esse enfoque no medo das consequências que poderemos sofrer, nosso olhar permanece centrado em nós mesmos. Nessa lógica, a ética será compreendida como inibidora e limitadora. Sendo uma ótica, ela estabelece uma direção. E não há direção sem limites. Aprender a limitar ou canalizar os desejos humanos é uma aprendizagem que se torna inadiável. Aprender a pensar na geração que ainda não nasceu, aprender a ser solidário e a educar nossa impulsividade para a defesa da vida devem ser conteúdo atitudinal a ser aprendido e vivenciado em nossa educação básica.
Para chegar à ética da responsabilidade futura, construída sobre o critério da dignidade da pessoa humana, precisamos passar por um longo processo pedagógico, verdadeiramente educativo e libertador. A dimensão libertadora da educação deve expressar-se na construção da competência do distanciamento critico que devemos aprender em relação à mentalidade do senso comum.
Esse senso comum costuma se pautar pelo imediatismo, individualismo e consumismo, que se expressa na irresponsabilidade ambiental. Nesse contexto, o papel da educação é desenvolver uma habilidade e uma competência que vai contra a nossa impulsividade imediata. Por isso, o lugar da educação é a do projeto idealizado de ser humano, cultura e sociedade. E à luz dessa idealização, construir os fundamentos para a atualização desse projeto.
Aos educadores comprometidos na construção dessa ótica de vida, com estima e gratidão.
Celito Meier